O vice-presidente Hamilton Mourão anda extraordinariamente preocupado com as universidades. Desde a “inutilidade” de quadros das instituições públicas de nível superior até o absurdo de existir gente com vida financeira acima da média nacional estudar de graça. Um sistema de valores em que a gratuidade na educação é um acinte.
Num ambiente onde a interdição do debate abre espaço para toda forma de pensamento exótico talvez seja mais sensato entrar no jogo e concordar com o general, propor uma agenda realmente fiscalista para o Brasil finalmente avançar depois de anos de comunismo. E como militar, Hamilton Mourão pode fazer como todo bom comandante e dar o exemplo às tropas, no caso, as universidades públicas.
Não é preciso se dar o trabalho de tratar de escolas cívico-militares, colégios militares e escolas preparatórias de cadetes: privatize e troque por vouchers com valor definido por uma ínfima parcela da arrecadação do ano anterior corrigida pela inflação. Não existe polêmica aqui. O problema está no nível superior, grande, inchado, perdulário, com pouco ou nenhum retorno à sociedade. Então comecemos pelas academias militares.
Assim como se corta permanência estudantil nas universidades, a primeira medida deveria ser parar de pagar soldo a cadetes. A propósito, o alojamento também deve ser privatizado. Quem tem dinheiro arque com as diárias e o privilégio de viver dentro do aquartelamento. Se não puder, escolha, meritocraticamente, morar numa república, preferencialmente os oriundos de famílias que podem manter tal estrutura de apoio, como qualquer filho de classe média estudante de engenharia ou design Brasil a fora.
Se somos contra subsídio a bandejão de marmanjo de cidade universitária, imagine quantos milhões seriam economizados nas cozinhas que alimentam jovens no início da vida adulta queimando 5.000 calorias por dia? O rancho das academias e escolas de sargentos também deve ser terceirizado. Para falar a verdade todo refeitório de quartel deve ser descontinuado em troca de um valor simbólico de auxílio alimentação. E falando em cuidados corporais, que se fechem os aparelhos de treinamento militar. Podem muito bem serem transferidos para o crossfit da cidade, impulsionando o empreendedorismo. Na verdade, em vez de academia militar, um monopólio estatal pesado para o contribuinte, poderíamos formar oficiais e sargentos pelo G-Suite com instrutores lotados em Brasília, polos de Ensino a Distância (EAD) em prédios da Wizard, convênios com a SmartFit e empresas de AirSoft. Dá na mesma.
Quanta verba seria liberada para subsidiar transferência de carteiras do Banco do Brasil para o BTG?
Como funcionário público precisa perder regalias, os aspirantes-a-oficial e guarda-marinha deveriam exercer a meritocracia e procurar emprego em vez de ter posto garantido em tropa. Como qualquer egresso de universidade, seja pública ou privada, terá a oportunidade única de fazer um estágio mal ou não remunerado, vestir a camisa de uma empresa, comprovar resiliência, operacionalidade, gritar “missão dada, missão cumprida” em treinamento de coach no início do ano fiscal recebendo uma meta impossível de ser cumprida e a ameaça de demissão a cada segundo que preenche uma planilha no MS Excel. A estabilidade inibe no jovem oficial valores como competitividade, operacionalidade, espírito de corpo, pode produzir gente perdulária, militares gordos e acomodados. Está cheio de empresa de segurança procurando um bom funcionário que não tenha previdência especial, sistema de pensão com valores integrais contemplando até as filhas, jovens entusiasmados aptos a pagar uma seguridade privada para não ter que sofrer na velhice sem aposentadoria. E, acima de tudo, com medo da demissão. Se tivesse sido feito lá trás o Brasil não teria honrado até bem pouco tempo atrás o pagamento de pensão para tataraneto de oficial que lutou na Guerra do Paraguai.
Pense: existe médico entrando no Sistema Único de Saúde (SUS) direto, como estatutário, sem um concurso, só aproveitando o vestibular da federal? Racionalização e otimização de processos. Planejamento de pelotão e companhia de fuzileiros pode ser feito com algoritmo, data mining, big data, imagem de satélite, um aplicativo com ferramentas Google. Fragata pode ser controlada por GPS, controle remoto e computador com inteligência artificial, piloto se substitui por drone. Tem tenente-coronel demais para se aposentar aos 45 anos e viver até quase 100 com vencimento integral.
Que se faça um concurso público para cada posto. Prova das fundações Vunesp ou Fundação Carlos Chagas para selecionar capitães e majores. Teste para general não achar que a Linha do Equador indica região fria e o nazismo era de esquerda. Com isso o segmento de escolas militares pode ser aberto à livre concorrência de modo a se obter um número cada vez maior de oficiais mais qualificados, estimulados pela concorrência a se distinguirem no mercado. Imagine uma faculdade privada formando tenentes. Quantos teriam a oportunidade de ganhar muito bem no setor privado? Há todo um nicho inexplorado no crime organizado que sofre com profissionais desqualificados. Com a formação ético-concorrencial adequada entidades poderiam se legalizar, o PCC por exemplo poderia assumir de vez a gestão de presídios e abrir o capital em bolsa. Para isso precisará de profissionais qualificados formados em academias militares privadas.
Com essa nova estrutura enxuta e austera da formação militar (EAD com polos em escolas de idiomas, convênios com SmartFit, AirSoft e liberdade de empreendimento), muitos recursos hoje mal gastos serão poupados também nas escolas de aperfeiçoamento de capitães e nas de comando e estado-maior. Não faz sentido manter programas de mestrado e doutorado profissional tão caros para atender apenas a três empresas estatais, quer dizer, Forças Armadas. Privatize, entregue nas mãos da Laureate em parceria com alguma empresa norte-americana do setor. Cobre mensalidade e exija o certificado para os concursos para admissão de majores, tenentes-coronéis, coronéis e generais. Mas não se preocupem, será baratinho, cursos online apostilados em vez de sustentar um monte de oficial intermediário e superior morando em casas pagas pela união nas regiões mais caras do Rio de Janeiro.
E por falar em imóveis em regiões com metro quadrado ultravalorizado…
Casas e apartamentos da União, presentes em todas guarnições militares do País, usados por quadros instrutores, alunos e também combatentes, deveriam igualmente ir a leilão. O povo paga pela residência de servidores públicos militares. Troque-se por voucher. Há quem tenha casa para fazer uma mera especialização e somente depois ser incorporado à tropa de elite!
A propósito de especialização…
Nas universidades públicas há pressão por todos os lados para que o lato senso, o MBA, o mestrado e o doutorado profissionais sejam cobrados. Logo, encontramos a solução: vendam a Brigada Paraquedista. Quem quiser aprender a cair enganchado do avião, pague sua caderneta de salto do próprio bolso em Boituva ou São José dos Campos. Não há responsabilidade fiscal em manter um terreno gigantesco na Vila Militar do Rio de Janeiro (que como já vimos deveria ser vendida para a especulação imobiliária). Com certeza empresas norte-americanas como a Black Water se interessarão para expandir seus negócios de tropas mercenárias para formação de milicianos de classe global.
Não para por aí: para que o Estado deve custear Escola de Educação Física, Centro de Instrução de Comandos, Montanha, Selva, Demolidores Submarinos, Para-Sar? Vendam tudo! Reduzam o pessoal e quando precisar mandamos poucos escolhidos a dedo para treinar nos Estados Unidos. Não se enforcou o Programa Nacional de Pós-Doutorado com os mesmos argumentos?
E por falar em formação e pesquisa realizada por doutores…
Para que manter a estrutura brega-nababesca da Escola Superior de Guerra? Aquilo tem um nome quando se trata de altos estudos estratégicos: monopólio do estado, não pode existir, em nome de Misses, Friedman e Friedrik von Hayek. Nem se entra no mérito das teses dignas de astrólogo da Virgínia que pululam feito pipoca numa estrutura sustentada pelo dinheiro dos impostos que os bilionários não pagam porque aqui a preocupação é a única importante, a austeridade fiscal: mandem o arquivo da ESG para que alguma universidade federal cuide sem repasse de verbas (é isso que elas fazem sempre) e fechem esse programa de atividades de relações públicas com empresário aficionado por farda na forma de emissão de broches e certificados.
Ajudem a aumentar a confiança do mercado nas nossas contas públicas. Quanto dinheiro poderia ser arrecadado para financiar a privatização da água só com a venda de prédios na Praia Vermelha para o grupo Accor? Somem-se os muitos hotéis de trânsito, círculos militares, clubes militares, aquartelamentos e campos de instrução que poderiam ser repassados ao agronegócio, redes hoteleiras, empresas de turismo e a construtoras estrangeiras. Além de economizar bilhões com os soldos e os gastos de segurança e manutenção dessas áreas, liberam-se terras e casas suficientes para que oligarcas deixem em paz os despossuídos. Talvez as Forças Armadas e as polícias estaduais deixem de empenhar milhões de reais com os serviços de inteligência espionando sindicatos, movimento estudantil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Uma salutar e desejável economia para nosso país varonil.
Por falar em saúde…
Privatizem os fundos de seguridade das Forças Armadas. Quando precisar de um médico, que o bom soldado vá ou leve sua família ao Doutor Consulta. Dentista em quartel para que? Salário de servidor existe para isso. Quantos médicos, dentistas, veterinários e farmacêuticos deixariam de receber salários de dois dígitos no ano seguinte à graduação, pois são admitidos nas Forças Armadas como oficiais temporários já no posto de 2º Tenente? Aliviem a agonia dos banqueiros com instabilidades no nosso orçamento público! Entreguem de uma vez a Escola de Saúde do Exército para a Estácio!
Ah, sim, não se podem olvidar os hospitais militares! Diferente dos Hospitais Universitários, que formam profissionais de 14 áreas da saúde, produzem conhecimento com pesquisa de ponta e prestam assistência emergencial e de especialidades à população em geral, mesmo tendo suas verbas corroídas ano a ano, os HMs só atendem à “família militar”. Podemos vender os hospitais vinculados às Forças Armadas e às políticas militares para a Rede D’Or. Vendam também os laboratórios onde se fabrica a cloroquina para a Pfizer. Vendam tudo, resolvam as crises com Paulo Guedes!
Depois da rapinagem geral em tudo que tiver um brasão militar na porta, e apenas depois, com as notas fiscais de venda nas mãos, o General Mourão pode nos brindar com uma agradável conversa sobre a reforma (no caso, demolição) das universidades públicas, aquelas mesmas onde filhos de militares conseguem vagas sem vestibular quando seus pais são transferidos de uma cidade a outra recebendo indenizações de dezenas – quando não mais de uma centena – de milhares de reais porque foram movimentados por “interesse do serviço”.
A propósito…
Não transfira mais ninguém sem que seja solicitado. Faça como o professor de federal que precisa conseguir uma troca na instituição de destino. Ou, o que se força a fazer, preste outro concurso onde tem vaga voltando ao início da carreira na nova instituição, ainda que elas sejam vinculadas ao mesmo Ministério da Educação. Quer sair de São Gabriel da Cachoeira para ficar perto da família em Bento Gonçalves? Volte a ser aspira. Seus filhos que procurem a Anhanguera no local de destino ou prestem novo vestibular para morar em república em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande ou Santa Maria. Que o carreto da mudança saia do bolso do interessado e os pertences de tráfego urgente sejam enviados pela DHL a valores extorsivos depois que o governo entregar os Correios a preço de banana para uma empresa estrangeira.
O general Hamilton Mourão, tão preocupado com as universidades, tem o dever de:
- Comandar pelo exemplo e liderar essa rapinagem da estrutura de formação no ministério da Defesa. Alternativamente teria apenas uma opção: entender o absurdo do seu argumento e realizar um debate verdadeiramente honesto. Esse governo, contudo, não dá qualquer sinal de ter essa capacidade. Ele próprio é o obstáculo a qualquer civilidade.
- Resgatar, preservar e aprimorar o papel do exercito que deve de maneira irrestrita salvaguardar a integridade e a soberania do estado brasileiro, ao invés de servir de plataforma de apoio para um grupo que desacredita o pais perante seu povo e na esfera internacional.
Fábio Venturini – Presidente da Adunifesp
Raúl Bonne – Diretor de Comunicação da Adunifesp