NOTA DE REPÚDIO AOS ATOS DE CERCEAMENTO DISCRIMINATÓRIO PRATICADOS EM CONCURSO PÚBLICO PARA DOCENTE DO CAMPUS BAIXADA SANTISTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
A Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Paulo (Adunifesp-SSind) manifesta publicamente seu repúdio aos atos de cerceamento discriminatório denunciados pela candidata Rachel Gouveia de Passos, regularmente inscrita no Concurso Público 675/2016 da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) para o provimento de cargo de Professor Adjunto na área de Ciências Sociais Aplicadas / Serviço Social, realizado no Campus Baixada Santista nos dias 28, 29 e 30 de novembro de 2016.
Conforme consta nos autos do Processo n° 23089.002408/2016-64, durante a Prova de Títulos e Arguição de Memorial as professoras que compunham a banca examinadora do concurso dirigiram à candidata perguntas sobre temas que não constavam do Edital, alusivas à sua identidade como “mulher negra”, se militava em “movimentos negros” e se sua militância se daria em grupos “amenos” ou “radicais”, o que pôde ser comprovado por meio da transcrição dos registros de áudio da arguição. Conforme informou a presidente da banca examinadora (fls. 22 do processo), “questões de cunho étnico e/ou racial foram feitas somente para a candidata Rachel Gouveia Passos”, o que, entendemos, violou o princípio da isonomia, conforme jurisprudência reivindicada pelo Supremo Tribunal Federal, na lavra do Min. Arnaldo Esteves Lima, para quem: “… em se tratando de candidatos oriundos do mesmo concurso público, devem ser subordinados aos mesmos requisitos de avaliação e aprovação, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia” (REsp 1.217.346/RJ, 1ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 22.11.2011, DJe 02.02.2012). Sublinhe-se ainda o fato de a candidata ser a única mulher negra entre examinadoras brancas.
A denúncia, acolhida na forma de recurso pela Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas e provocada à manifestação a Coordenação do Curso de Serviço Social, foi apreciada pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB) da UNIFESP, em razão de suas atribuições de combate ao racismo e promoção da igualdade racial, que constatando ter havido cerceamento discriminatório pugnou pela anulação do concurso diante da notável violação dos princípios da isonomia, da impessoalidade e da legalidade administrativos (fls. 39 e 40), decidindo-se o Conselho da ProPessoas pela anulação de todas as fases do concurso e não apenas da arguição de memorial, uma vez terem sido verificadas outras irregularidades praticadas pela mesma banca (violação ao item 5.7 do Edital e que obriga a apresentação de documento oficial com foto para realização das provas do concurso). A medida foi referendada pelo Conselho Universitário, reunido no dia 14 de junho de 2017, e que deliberou pelo cancelamento do concurso, devendo-se compor nova Banca Examinadora, com substituição de todos os seus membros, reconvocação de todos os candidatos inscritos no concurso e aplicação, novamente, de todas as provas.
Os atos denunciados estão em flagrante desacordo com o que dispõe o Decreto 1.771/1994 e que define o Código de Ética Profissional dos Servidores Públicos Federais; ignora a Lei n° 8.662/93 que estabelece o Código de Ética da Profissão de Assistente Social; afronta as Diretrizes Nacionais para a Educação Brasileira; fere os princípios defendidos historicamente pelas universidades e, em particular, pela UNIFESP e por seu Curso de Serviço Social, dado que em seus objetivos se impõe o combate à quaisquer formas de discriminação, como se pode ler em seu Projeto Político Pedagógico onde é exortado o “… respeito às diferenças de gênero, raça, etnia, orientação e diversidade sexual, políticas e religiosas, sem preconceito, estigmas, estereótipos e discriminações…” (p. 27).
Em coerência com sua própria história, defendemos os princípios da imparcialidade, da isonomia, da impessoalidade, da legalidade e do controle público que devem nortear os concursos públicos nesta e em quaisquer universidades públicas brasileiras. Consideramos ainda que em todas as etapas dos concursos os candidatos devam ser avaliados por seu desempenho, jamais por caracteres biotípicos, identidade étnico-racial, identidade de gênero ou posturas políticas.
Por fim, requeremos das instâncias universitárias pertinentes a apuração dos atos descritos na denúncia, apurando-se eventuais responsabilidades e fazendo valer os princípios que perenemente devemos defender. São inconcebíveis tais práticas em quaisquer de nossos ambientes; mas o ocorrido torna-se ainda mais grave em um curso que oferta, para os seus alunos, disciplinas como “Gênero, Raça e Etnia”, mas que em seus processos seletivos pratica parte daquilo que diz condenar!
São Paulo, 11 de setembro de 2017.
Adunifesp-SSind