Boletim Adunifesp: debate sobre a campanha salarial

A Adunifesp – de acordo com decisão de Assembleia – abre espaço para o debate entre docentes sobre os rumos da Campanha Salarial. Leia abaixo dois breves artigos com posições diferentes a respeito da greve docente. O professor Janes Jorge apresenta argumentos contrários à utilização da greve na Universidade apontando. Já o professor Alberto Handfas discute os motivos que tem levado o atual movimento paredista nacional crescer, avaliando os motivos pelos quais ele considera a construção da greve uma necessidade no momento

Docentes Unifesp devem ajudar a construir a greve nacional docente?

PARALISAR AS AULAS DE GRADUAÇÃO É UM GRAVE ERRO

por Prof. Janes Jorge (EFLCH – Unifesp – Campus Guarulhos)

20 de março de 2024

Paralisar as aulas de graduação em busca de intensificar a campanha salarial dos docentes é um grave erro. Os estudantes serão fortemente prejudicados e não haverá efeito positivo nenhum na mobilização por reposição salarial e mais recursos para o sistema federal de ensino superior. A pós-graduação, a extensão universitária, a redação de artigos e outras atividades acadêmicas seguirão normalmente, cada qual trabalhando em sua residência e pela internet.  Os campi, vazios, afastarão docentes, taes e estudantes. Teremos mais dispersão e não construção coletiva da mudança social positiva.  Mesmo a discussão dos problemas internos da Unifesp cessará.

Todas as vezes que um movimento como esse acontece é dito que haverá paralisação das aulas de graduação para que todos possam participar de uma suposta mobilização coletiva portentosa capaz de tudo mudar, mas, de fato, isso nunca acontece.  Sair de uma paralisação das aulas de graduação também é tormentoso. Será preciso planejar reposição das aulas, novo calendário acadêmico e os conflitos aumentarão, pois nem sempre é possível conciliar interesses divergentes. E haverá sempre grupos que desejarão estender o movimento indefinidamente, sem aceitar a realidade. Ao final, todos se sentirão prejudicados e todos estarão certos.

Evidentemente é preciso fortalecer a campanha salarial. Caso o Andes fosse um sindicato atuante e voltado para obtenção de conquistas trabalhistas, os docentes já deveriam estar mobilizados desde o ano passado. Passeatas, visitas ao Congresso Nacional, a publicação de artigos e publicidade em meios de comunicação, postagens em redes sociais, tudo isso poderia sensibilizar muito mais a opinião pública, o Governo Federal e o Legislativo do que fechar os campi e mandar os estudantes para casa. Infelizmente nada foi feito. Por outro lado, não se pode ignorar a conjuntura nacional. As imagens das universidades sem alunos de graduação, com os campi desolados, serão fartamente utilizadas pela extrema direita brasileira para desqualificar o ensino público.

As aulas de graduação são o momento mais importante e, para grande parte dos docentes, feliz da vida universitária, apesar de todos os problemas enfrentados. Interromper o que dá sentido maior para nosso trabalho é um grave erro.

 


 

A GREVE NACIONAL É A ÚNICA SAÍDA PARA GARANTIR REAJUSTE EM 2024

É possível e necessário construí-la na defesa da Unifesp, seus alunos, cursos e programas

por Prof. Alberto Handfas (EPPEN – Unifesp – Campus Osasco), Presidente da Adunifesp

11 de abril de 2024

Há dez meses que as negociações relativas à reposição inflacionária para 2024 aos Servidores Federais (SPFs)/Magistério Federal estão travadas. Um impasse foi gerado pela persistente recusa das autoridades (governo e Congresso) em oferecer qualquer reposição salarial neste ano.

Na semana passada, uma nova rodada da Mesa manteve essencialmente tal quadro inalterado. O que acabou levando, nas duas últimas semanas, uma onda de assembleias docentes com quóruns elevados em diversas universidades do país. Cerca de 40 delas aprovaram resoluções a favor da construção de uma greve nacional. Metade já deflagrou greve nesta semana e a outra decidiu preparar as condições para aderir ao movimento paredista nos próximos dias ou semanas. Lembrando que TAEs já estão parados há semanas e quase 500 campi de Institutos Federais também aderiram à greve.

Com o irrefutável impasse da Mesa e o forte crescimento da disposição de luta da base docente, diversos(as) colegas – dentre os quais eu me incluo -, que até o início deste ano ainda se mantinham reticentes em propor uma greve (procurando alternativas de mobilização/pressão sobre a negociação) e incrédulos quanto à adesão da base docente a ela, começaram a mudar de posição e defender sua construção mais ou menos imediata. Na Unifesp, um debate acirrado tem ocorrido nas Assembleias de nossa AD deste início de ano. Procuro neste texto responder a alguns dos argumentos que tenho ouvido de colegas que seguem contrários ou em dúvida quanto à adesão ao movimento.

Por que entrar em greve bem agora?

Nossos salários, que entre 2004 e 2013 recuperaram-se cerca de 40% acima da inflação do extremo achatamento em que se encontravam, acabaram perdendo igualmente cerca de 40% de poder de compra à inflação dos anos seguintes até 2023, sobretudo durante o congelamento de Temer e Bolsonaro. Mesmo com as parcelas de reposição inflacionária concedidas tanto no final do período Dilma como agora (o 9%) em junho de 2023, o valor real de nosso salário médio é hoje 27% menor do que era em 2015. A sugestão do governo – reajuste zero este ano e 4,5% nos próximos dois anos – fará o salário real docente terminar o atual mandato (2026) apenas 2% superior a seu valor no desastroso término do (des)governo Bolsonaro. Podendo ser ainda menor se a inflação não se mantiver bem baixa doravante[1].

Tal quadro, combinado com os fortes cortes de verbas às Universidades nos últimos 7 anos – essencialmente não revertidos até o presente -, tem levado a uma deterioração das condições de trabalho docente. Edifícios sucateados e incompletos (sobretudo nos campi da expansão), salas de aulas insalubres, falta de laboratórios e equipamentos, cortes de bolsas a pesquisadores/orientandos… tudo isso junto com um salário aviltado que mal paga as contas do mês acabará por destruir a carreira do magistério federal. Já há colegas pedindo para deixar a Dedicação Exclusiva, outros começarão a optar por outros empregos. Se não reagirmos já, será o desmonte da universidade pública.

É verdade que não conseguimos organizar fortes campanhas salariais (e greves) durante os governos golpistas. Pode-se criticar as direções sindicais por insuficiente impulsão e organização de luta. Mas o fato é que houve luta durante o governo Temer, incluindo uma greve geral contra sua Reforma Previdenciária e luta das Universidades contra Bolsonaro, quando centenas de milhares saímos às ruas em defesa da Educação Pública em várias passeatas em 2019. Uma greve de docentes estava sendo preparada (com participação ativa da Adunifesp) no início de 2020 (inclusive com indicativo de datas a sua deflagração). Ela teve de ser abortada devido ao início da Pandemia – e as atividades à distância tornaram dificílimas as condições para qualquer movimento paredista. No ano de 2022, uma tentativa de mobilização grevista não teve adesão na base das categorias SPFs, incrédulas na exiquibilidade de qualquer negociação e/ou concessão por um governo polvilhado de fascistas. A luta foi sendo então direcionada à batalha para derrotar eleitoralmente o inimigo da democracia, da Universidade e dos serviços e servidores públicos: Bolsonaro. A grande maioria da categoria docente entrou em campanha para garantir a eleição de Lula, cujo lema central era acabar com o Teto de Gastos (e qualquer outro limitador fiscalista a despesas sociais) para “recolocar o povo no orçamento” – recuperando tanto verbas às Universidades quanto aos salários.

Por que a Mesa não avança?

A Mesa Nacional de Negociação Permanente de 2024 (Mesa-2024) foi lançada em julho do ano passado. Já em sua primeira reunião, representantes do governo explicaram que, com a vigência do Teto de Gastos (EC-95 de Temer), não haveria espaço à reposição em 2024. Mas na segunda reunião, o governo já havia logrado derrubar a EC-95, aprovando (em seu lugar) no Congresso – com total apoio do Centrão – o seu Novo Arcabouço Fiscal. Suas regras, apenas um pouco menos draconianas que as do Teto-Temer, mantiveram, contudo, o congelamento de boa parte das verbas às rubricas sociais; inclusive a de Gastos com Pessoal – frustrando assim possibilidades de reajuste salarial aos SPFs. A insistência da equipe econômica do governo (que parece querer ser mais realista que o “rei” mercado financeiro) em manter a meta de “déficit-zero”, tornou tal frustração ainda mais dramática. No PLOA 2024 enviado pelo Executivo ao Congresso, as verbas à reposição inflacionária de Salários SPFs era quase nula (permitindo cerca de 0,5% de reajuste). Eis o motivo do impasse na Mesa-2024.

A última reunião (extra) da Mesa (22/04), o governo manteve-se irredutível quanto ao 0% em 2024 e sugeriu – como se apresentasse uma compensação – negociações de Reestruturação de Carreira nas Mesas Setoriais. Ora, somos todos a favor de negociar para melhorar a Carreira (reduzir as etapas para subir na mesma, privilegiar a Dedicação Exclusiva, como forma de garantir um corpo docente comprometido com a indissociabilidade Ensino-Pesquisa-Extensão etc). Mas ninguém se engane. Os quase nulos recursos orçamentários que impedem reajuste linear a todos SPFs em 2024 na Mesa Geral também impedirão melhorias salariais a 2024 nas Mesas Setoriais de Carreira.

Há verbas para garantir um reajuste?

Sim. A grande mídia e os “mercados financeiros” alardeiam que haveria uma grave crise de endividamento. Ora, os gastos e as recessões pandêmicas elevaram momentaneamente dívidas em todo o mundo. Mas a do Brasil não está em patamares superiores a de outros países. E ela é essencialmente em moeda doméstica (reais) – o que a torna muito menos arriscada. Por outro lado, gastos sociais têm efeitos (“multiplicadores”) muito positivos sobre a criação de emprego e renda, levando assim a forte geração de receitas com impostos e fazendo-os quase que auto financiáveis. Por fim, o que mais fez o endividamento crescer de 2021 para cá foi justamente os gastos com juros da dívida pública – que mais do que dobraram como % do PIB. Portanto, gastos com serviços (e servidores) públicos não são a causa do endividamento e seus cortes não o reduzirão. Por isso, não faz sentido o fiscalismo do NAF, tudo para garantir a prioridade aos juros da dívida, como exige a especulação financeira. Ademais, é preciso lembrar que o Centrão sequestrou parte do Orçamento das mãos do Executivo. A luta pela recuperação das verbas aos serviços e salários de servidores públicos é essencialmente uma luta pela disputa do orçamento contra tais gastos deletérios que saqueiam os cofres públicos.

Cada 1% de reajuste a todos os Servidores Públicos Federais, ativos e aposentados, (cerca de R$ 3,5 bi) significa menos do que 8% das verbas a Emendas Parlamentares e Fundo Eleitoral e menos que 0,5% das verbas ao pagamento de juros da dívida pública.

A greve é contra o governo? Não ajudaria o golpismo fascista?

Não. A greve não é contra o governo Lula. Ela visa apenas conquistar um reajuste salarial minimamente decente em 2024. É parte de uma luta para garantir condições de trabalho a servidores. Uma luta em defesa dos serviços públicos. Ao contrário de desgastar o governo, a mobilização docente é a favor das bandeiras da campanha que elegeu o atual governo em 2022: mais verbas aos serviços públicos. E é contra o programa dos derrotados (bolsonaristas do Centrão, grande mídia e mercados financeiros) que se infiltraram no próprio governo e tentam estrangula-lo por dentro e por fora, impondo a ele o programa derrotado e, assim, ao afasta-lo do apoio popular, preparam sua derrubada.

Nossa campanha salarial (com ou sem greve) é, assim, um impulso (dentre outros) a um forte movimento popular pelas demandas – pelos serviços públicos – para puxar o governo a retomar suas bandeiras de campanha/2022 e reconectar-se com o povo. E não há outra forma de fazer isso sem muita mobilização popular. Evitar tal mobilização e consternar-se com cortes de verbas é o que de fato facilitará o avanço do golpismo fascista contra Lula (como aliás acabou ocorrendo com a presidenta Dilma, sobretudo após o Plano Levy).

A greve na Universidade não seria um tiro-no-pé por enfraquecer a luta, prejudicar alunos ao esvaziar os campi?

Esta é de fato uma preocupação que aflige a todos nós, educadores e pesquisadores, comprometidos com a Educação pública e a Ciência. Por isso mesmo, longe de gostarmos de greve na Unifesp, todos nós fazemos de tudo para evita-la.

Mas a greve é nosso último recurso, a ser usado quando já tentamos conversas com parlamentares (barradas pela intransigência do Centrão), negociações na Mesa (frustradas até o presente), caravanas e atos etc. – e nada tem adiantado. Nenhum das(os) colegas que se opõe à greve como instrumento de luta, por outro lado, aponta (muito menos impulsiona) qualquer outra alternativa de luta viável e efetiva para revertermos o impasse presente. Ademais, vale lembrar, enquanto amargamos o zero%, categorias de SPFs que fizeram greve nos últimos meses foram exatamente as que conseguiram obter ganhos já em 2024: Servidores do Ibama arrancaram 35% de reajuste. Os do Banco Central, e os policiais federais obtiveram acordos de 23% e 22% respectivamente. Auditores Fiscais – que também realizaram greve – conseguiram R$ 7,75 mil de bônus (na média) neste e nos próximos dois anos.

Mesmo assim, no caso de adesão à greve, docentes em assembleia devem tomar todos os cuidados cabíveis para se evitar o esvaziamento dos campi. Tal greve deve ser construída como um instrumento de mobilização, debate e aprendizado coletivo de toda a comunidade universitária. Vícios previamente ocorridos (esvaziamento, “greve de pijama”, prolongamento exagerado do movimento etc) que desgastaram o instrumento da greve precisam ser evitados a todo o custo. Por exemplo, um compromisso da assembleia pode ser firmado para se evitar o esvaziamento; seu cumprimento pode ser checado a cada próxima assembleia como condição à continuação da greve. Os comandos de greve devem elaborar atividades que mantenham estudantes, TAEs e docentes nos campi: cursos alternativos (para debater Ciência, universidade pública, Orçamento Público etc – algo similar ao que fizemos na Unifesp no início da Pandemia), atos, seminários, debates e aulas públicas devem ser preparadas.

A preocupação com possível esvaziamento de cursos, sobretudo da graduação, casada com o já existente drama da evasão de alunos em determinadas áreas é absolutamente legítima e justa. Mas não será evitando a luta da greve que se conseguirá reverter tal evasão. Tal luta é, aliás, também pela recuperação das verbas que permitiriam recompor um quadro que dê sustentação a estudantes. Afinal, a tendência à evasão estudantil tem a ver com os cortes à Assistência Estudantil, às verbas alocadas à construção de moradia estudantil em nossos campi, bolsas a bandejões e bolsas estudantis em geral. A crise sócio-econômica do país, junto com tais cortes estão entre os principais fatores geradores da evasão e esvaziamento de cursos da graduação. A greve – se for construída como um instrumento de debate e envolvimento de alunos – pode ajudar a criar uma saída.

[1] Considerando a expectativa BC-Focus de variação de 16,5% no IPCA entre jan/2023 e dez/2026, tal inflação corroerá os reajustes de 9% em 2023 e de 4,5% em 2025 e 2026, tornando-os em termos reais o mísero 2%.