Entidades repudiam MP que terceiriza HUs

O último dia de mandato do ex-presidente Lula, 31 de dezembro de 2010, foi marcado por um enorme retrocesso para a educação superior e a saúde pública. Uma Medida Provisória – a 520 – foi assinada no “apagar das luzes” de um governo de oito anos e autorizou a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A., instrumento que desvincula a gestão dos Hospitais Universitários (HUs) das Instituições Federais de Ensino Superior.

Apesar de pública, tal empresa implementará uma gestão privada nos HUs. A iniciativa pode comprometer não só um atendimento universal e de qualidade, como representa um ataque ao princípio constitucional da autonomia universitária, subordinando a interesses de “mercado” o desenvolvimento de ensino, pesquisa e extensão. O modelo de privatização do Sistema Único de Saúde (SUS), aplicado originalmente pelos governos tucanos em São Paulo, vem ganhando cada vez mais espaço entre petistas e o governo federal.

Protestos já foram realizados na maioria das universidades federais, inclusive em nossa Instituição, e uma caravana organizada por movimentos de defesa da saúde e da educação públicas realizou um ato nacional em Brasília, no dia 16 de fevereiro. Após sofrer resistência nas universidades, inclusive de alguns reitores, e uma moção de repúdio do Conselho Nacional de Saúde, a iniciativa parece ter perdido força para os passos seguintes: um decreto presidencial criando oficialmente a empresa e a aprovação da MP pelo Congresso Nacional. Mesmo assim, entidades como o ANDES-SN e a FASUBRA prometem manter-se mobilizadas.

Unifesp debate MP

Uma mesa organizada pelo Conselho de Entidades reuniu representantes da Reitoria, Hospital São Paulo e SPDM, para discutir o tema com a comunidade Unifesp, no dia 22 de fevereiro. O Reitor Walter Albertoni fez uma análise de conjuntura dos HUs, avaliando que com a falta de concursos públicos e investimentos, “as Instituições foram obrigadas a realizar contratações irregulares para que as atividades não parassem”. Atualmente quase 26 mil profissionais de saúde trabalham com vínculo precário – fora do Regime Jurídico Único – nos quase 50 hospitais administrados pelo Ministério da Educação. Com uma maior participação de dinheiro do Ministério da Saúde nos últimos anos, houve uma melhora nos problemas orçamentários, mas não foi resolvida a questão de “pessoal”.

A MP 520, além de terceirizar a gestão dos HUs, busca dialogar com órgãos de controle público como o Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério Público, que nos últimos anos cobram a regularização das contratações precárias. Segundo Albertoni, a iniciativa procurou não permitir a “simples” demissão desses servidores, até para não prejudicar as atividades em saúde. O conteúdo da MP, entretanto, apenas “legaliza” a atual situação, sem resolver de fato o problema. O Reitor Albertoni afirmou ainda que, após a MP, o TCU suspendeu o pedido para que os HUs demitissem os “precários”.

Por fim, Albertoni tentou tranquilizar os servidores técnico-administrativos presentes no debate, muitos trabalhadores celetistas do Hospital São Paulo. Segundo ele, o caso da Instituição, pelo fato de seu HU ser privado, é diferente dos demais, já que a contratação precária identificada pelo TCU não está caracterizada na Unifesp. “Aqui não são precários, a SPDM contrata como mantenedora e o hospital é privado”, afirmou. Porém, ele alerta para problemas que ainda persistem. “Ano passado legalizamos a forma de repasse (do dinheiro público para um hospital privado), mas ainda é uma situação juridicamente frágil.” Mais uma vez o Reitor Albertoni reafirmou sua posição pela federalização do HSP, mas também disse que “não há espaço para isto por enquanto”.

Privatização do SUS

O professor Francisco Lacaz, representante da Adunifesp no debate, centrou sua fala no fato de a nova empresa ser uma Sociedade Anônima (S.A.), o que amplia a privatização, com uma gestão de “mercado” e a busca pelo lucro na saúde pública. “A MP fala em contrato de gestão e do cumprimento de metas, o que gera baixa qualidade no atendimento e tem causado inúmeros problemas de saúde aos profissionais da área”, afirmou. Além disso, defendeu que a iniciativa contraria princípios do SUS, como o Controle Social. Segundo Lacaz, ainda, um grupo hospitalar do Rio Grande do Sul que adotou o modelo há alguns anos, agora tenta quer mudar, já que a realidade mostrou maiores gastos administrativos e uma eficiência menor.

A MP também foi criticada pela representante do Sintunifesp, Ana Paula Rodrigues, que avaliou que a iniciativa contraria a própria Constituição Federal, ao terceirizar a contratação de profissionais em atividades fim do Estado, como a saúde e a educação. “Vai ter um reflexo importante no atendimento à população via SUS, já que alguns pontos mudam a lógica de funcionamento dos HUs”, afirmou. Ela ainda manifestou preocupação sobre o futuro dos trabalhadores celetistas. “A nova empresa irá arcar com os atuais direitos trabalhistas dos celetistas?”, questionou.

Já o representante da Fasubra, Marcos Borges, afirmou que a entidade nacional é contra a MP por defender o SUS como política de Estado e não apenas de governo. A Fasubra já produziu um parecer jurídico que contesta quatro pontos da medida: “é um ataque à autonomia universitária; fortalece o setor privado na saúde; não resolve os atuais problemas dos HUs; e é omissa quanto ao princípio do Controle Social do SUS, sendo uma iniciativa constitucionalmente duvidosa”, defendeu.

Caso a terceirização dos HUs avance, os setores sociais contrários prometem impetrar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contestando a MP. A possibilidade de uma ampla greve nas Universidades Federais também não está descartada e a Fasubra já mobiliza suas bases para uma possível paralisação de servidores técnico-administrativos em educação.