Rede Articulações

Do empoderamento de cidadãos à articulação de conhecimentos e saberes para uma universidade socialmente referenciada

por Eliane de Souza Cruz

A Rede Articul@ções nasce do Programa de Extensão intitulado ARTICUL@ÇÕES – Pesquisa e Práticas na Educação Básica e Ensino Superior que conta atualmente com 147 membros (65% externos à UNIFESP) atuantes em um conjunto articulado de projetos e ações de extensão de caráter multidisciplinar e interdisciplinar integrados às atividades de pesquisa, ensino e gestão.

Nossa missão é gerar a aproximação e interação entre 4 segmentos: (i) universidades, (ii) escolas públicas e particulares (básicas, técnicas e profissionais), serviços de saúde e do meio ambiente, (iii) sociedade – representada pela comunidade local, entidades e movimentos sociais e (iv) Poderes Públicos Educacional, da Saúde, da Segurança e do Meio Ambiente, através das Secretarias Municipais, Diretorias de Ensino, Conselhos, Fóruns, entre outros.

A Rede Articul@ções, em parceria com diversas universidades no Brasil e em Portugal, tem por finalidade o desenvolvimento pessoal e profissional de seus membros e dos beneficiários assente numa perspectiva pioneira e inovadora de articulação da pesquisa com as práticas na educação básica e ensino superior sem hierarquização de conhecimentos e práticas (Cruz, 2012).

Nosso diferencial é a presença constante e ativa da UNIFESP (representada pelos acadêmicos – docentes, TAEs e discentes) nos diferentes segmentos envolvidos na rede e a abertura da UNIFESP para a participação efetiva destes agentes e suas instituições/entidades empoderados na coordenação conjunta de projetos,naorientação conjunta de alunos de iniciação científica do ensino-médio das escolas públicas e do SENAI, como membros externos nas bancas de TCC/Mestrado, entre outros.

Em termos práticos, a rede Articul@ções tem contribuído para a valorização das universidades públicas pela sociedade através da realização conjunta das seguintes atividades: cursinho preparatório para o ENEM (articula vestibular), aulas de reforço nas escolas (articula vestibulinho), cursos de inglês/lattes/metodologia científica para a igualdade de oportunidades dos interessados nos mestrados (articula mestrado), conscientização ambiental e sustentabilidade (articula formação e articula escolas), aulas sobre educação para o trânsito (articula cursinhos através dos conteúdos cordiais de Ciências), palestras de educação para a Saúde (articula saúde), alfabetização de idosos (articula alfabetiza), participação conjunta em feiras de profissões (articula eventos), curso sobre as tecnologias (articula tecnologias), construção da Escola de Cidadania de Diadema (articula eventos e articula cursinhos) e mostras científicas (articula experiências), congressos e semanas científicas.

A rede Articul@ções já atendeu mais de 1.200 pessoas (crianças, adultos e idosos, sendo destas 700 em alguma situação de vulnerabilidade social) e este número não para de crescer.

Considera-se que as parcerias firmadas no Articul@ções são fundamentais para a construção conjunta de uma universidade socialmente referenciada porque mostra-se quer humanizadora pela possibilidade da participação de membros externos dos 4 segmentos acima referidos exercendo seu direito de cidadania, quer emancipatória dos indivíduos que se afirmam enquanto sujeitos críticos contra o abandono cultural, educacional, econômico e político.

Importa destacar que o segmento sociedade tem historicamente uma relação distante com a universidade em consequência do elitismo, atualmente em menor escala, da universidade em relação aos sectores ditos não cultos da sociedade. Assim, este segmento é um protagonista que tem de ser conquistado por todo um conjunto de iniciativas que aprofundem a responsabilidade social da universidade na linha do conhecimento pluriversitário solidário (Boaventura, 2004).

O modelo teórico que fundamenta nossas ações assenta-se no conhecimento pluriversitário (mais presente ao nível da pesquisa, extensão e pós-graduação) que tem substituído o conhecimento universitário (dominante nos cursos de graduação) vigente durante todo o séc. XX (Boaventura, 2004) e defende a passagem do modo de produção do conhecimento 1 ao 2 (Gibbons, et al., 1994) ou a concomitância dos modos (Hargreaves, 1999). Este novo paradigma começou a emergir no interior das próprias universidades através das parcerias entre pesquisadores e sindicatos, organizações não governamentais, movimentos sociais, entre outros, bem como pela entrada de grupos minoritários nas universidades que passaram a verificar que a inclusão é “uma forma de exclusão: confrontam-se com a tábua rasa que é feita das suas culturas e dos conhecimentos próprios das comunidades donde se sentem originários” (Boaventura, 2004, 30).

Nesse sentido, a rede Articul@ções é um dos exemplos-concretos pioneiros e inovadores de resposta criativa e eficaz aos desafios com que as universidades públicas se defrontam no século XXI, porque se desafia constantemente a dar respostas às 3 crises das universidades apontadas por Boaventura (2004), a saber:

  1. crise de hegemonia, ao fazer parcerias e não competir com outras instituições que produzem pesquisa e desenvolvimento tecnológico;
  2. crise de legitimidade, ao propor o princípio da não hierarquização de conhecimentos, saberes e práticas na rede por um lado, e fomentar vários cursos que atendam a reivindicação da igualdade de oportunidades para os filhos das classes populares, por outro;
  3. crise institucional, ao propor a abertura da universidade para a participação social na coordenação conjunta de iniciativas que pretendem atender os critérios de responsabilidade social e de impacto do conhecimento produzido nas universidades nos diferentes segmentos.

Este último – impacto do conhecimento produzido nas universidades – torna-se particularmente relevante em tempos de cortes dos orçamentos do Ensino Superior brasileiro porque os 147 membros articuladores, divulgadores, multiplicadores ou parceiros da rede Articul@ções passaram a valorizar e a compreender o papel social das universidades públicas ao vivenciarem os bastidores (custos, recursos, formas de financiamento, obstáculos para a maior participação popular, entre outros) e os processos inerentes aos 4 pilares ensino-pesquisa-extensão-gestão. Todos tornam-se conscientes da descapitalização das universidades públicas decorrente da atual perda de prioridade do bem público universitário nas políticas públicas e da concretização do maior estreitamento das relações entre os produtores, consumidores e utilizadores dos conhecimentos nesta perspectiva de articulação da pesquisa com as práticas.

A este propósito, o modelo de articulação utilizado para idealizar a rede Articul@ções foi proposto por Cruz (2012) e envolve várias dimensões (ontológica, política, metodológica etc.), além da epistemológica descrita no modelo de McIntyre (2005). A articulação é um conceito complexo que inclui necessariamente o impacto/influência mútuo, ou seja, tanto a influência da Pesquisa/pesquisadores nas Práticas/práticos, como também das Práticas/práticos na Pesquisa/pesquisadores.

Importa esclarecer que há diferentes formas na literatura de se conceber as relações entre a pesquisa e as práticas na Educação Básica e no Ensino Superior, a saber: (a) Impacto das pesquisas nas práticas; (b) Articulação da pesquisa e práticas; e (c) Pesquisa sem impacto e sem articulação com as práticas. No caso específico da Educação, consideramos que a pesquisa educacional não precisa necessariamente exercer impacto nas práticas e políticas (Costa, 2003), ou estar articulada com as mesmas (forma b), o que justifica a existência das formas (a) e (c). Ou seja, é necessário sermos comedidos nas expectativas da relação da pesquisa educacional nas práticas, corroborando com o “enlightenment model” de Hammersley (1997), sob o risco de termos a sua qualidade prejudicada. Por esta razão adotamos o modelo moderado de articulação da pesquisa com as práticas proposto por Cruz (2012).

Para finalizar a discussão teórica que fundamentou este artigo e a própria criação da rede Articul@ções, colocamos as seguintes questões para a reflexão da comunidade unifespiana:

Se as universidades fossem realmente socialmente referenciadas, teria sido necessário conscientizar a população da sua importância social neste período de cortes orçamentários?

– Será que o nosso receio pelo novo paradigma de conhecimento pluriversitário, aliado à uma certa visão internalista de Ciência de alguns ou mais presente em algumas áreas, não nos tem paralisado numa atitude defensiva resistente a qualquer mudança em nome da liberdade acadêmica?

-Será que as exigências contrapostas (hiper-privatista de produção de conhecimento comercializável versus hiper-publicista social difusa de concepção de responsabilização social mais exigentes) não são demandas atuais que precisam ser encaradas num certo equilíbrio entre a pesquisa fundamental e a pesquisa aplicada nas diferentes áreas e não em posições extremistas numa tentativa indiscriminada de generalização para todas as áreas das universidades?

– Como a sua área de pesquisa, ensino e extensão têm contribuído para uma universidade socialmente referenciada?

Agradeço à Daniella V. de Souza pela revisão do texto e ao ex-Presidente da Adunifesp Daniel Feldmann pelas excelentes ponderações à versão inicial.

Nome da coordenadora geral do Articul@ções:
Profa. Dra. Eliane de Souza Cruz – [email protected] – (11) 953 177 422 (WhatsApp)

Para mais informações:

E-mail: [email protected]

Facebook Articul@ções ou @programaArticulacoes: https://www.facebook.com/ProgramaArticulacoes/

Canal do Youtube do Programa Articulações: https://www.youtube.com/c/ProgramaArticulações 

Referências

Costa, N. (2003). A Investigação Educacional e o seu impacte nas práticas educativas: O caso da Investigação em Didática das Ciências. Lição Síntese das Provas de Agregação não publicada (Grupo 2, Sub-Grupo Educação). Universidade de Aveiro.

Cruz, E. (2012). “Da Avaliação do Impacte à Articulação da Investigação↔Práticas – O caso da Articulação na Formação Didáctica Pós-Graduada de Professores de Ciências e desafios futuros”. Tese de Doutoramento em Didáctica e Formação (ramo Didática e Desenvolvimento Curricular), Universidade de Aveiro, Portugal. Publicação no repositório institucional da UA: http://ria.ua.pt/handle/10773/10993

Hammersley, M. (1997). Educational Research and Teaching: a response to David Hargreaves’ TTA lecture. British Educational Research Journal, 23(2), 141- 161.

Hargreaves, D. H. (1999). The Knowledge-Creating School. British Journal of Education Studies, 47(2), 122-144.

McIntyre, D. (2005). Bridging the gap between research and practice. Cambridge Journal of Education, 35(3), 357–382.

Sousa Santos, Boaventura (2004), A Universidade no Século XXI: Para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. Disponível em https://www.ces.uc.pt/bss/documentos/auniversidadedosecXXI.pdf