Propostas da categoria docente para a retomada das aulas na graduação

Em duas plenárias abertas da Adunifesp, realizadas online com média de 50 participantes, nos dia 9 e 16 de junho, docentes da Universidade Federal de São Paulo discutiram a decisão do Conselho Universitário de retomar as aulas da graduação com atividades remotas domiciliares. A partir delas, construiu-se coletiva e consensualmente uma pauta de reivindicações ao MEC e a ser debatida com a Reitoria da Unifesp.

Contra a política bolsonarista

A Adunifesp rejeita a pressão irresponsável e descompromissada com a vida humana do governo Bolsonaro para o retorno imediato às aulas presenciais em meio ao pico da pandemia da Covid-19. Denuncia também a ameaça do MEC, de cortes orçamentários às Instituições Federais que não retomarem as aulas, como forma de impor, a toque de caixa e sem quaisquer critérios de qualidade, mecanismos não presenciais que forcem o “andamento normal” do letivo. Além de afronta à Autonomia Universitária, tal política visa a instrumentalização oportunista da pandemia como forma de coagir a Universidade Pública a substituir permanentemente aulas presenciais por meios remotos e domiciliares de ensino. Trata-se de política declarada por dirigentes do MEC de reduzir custos com pessoal através de um arremedo de ensino à distância – como já vem sendo usado por instituições privadas/caça-níqueis. Tal pressão força a fragilização permanente do ensino universitário e da carreira do professor, facilitando, inclusive a redução do corpo docente, a elevação da jornada e o achatamento de salários, benefícios e condições de trabalho acadêmico.

A Adunifesp reconhece sim que o Ensino à Distância (EaD) e as tecnologias a ele conexas podem ser, quando executados com seriedade, um poderoso e salutar instrumento de apoio complementar à atividade docente, em processos que tenham tanto o estudante quanto professoras e professores como protagonistas no ensino e da aprendizagem. Entretanto, sua utilização improvisada na substituição de aulas presenciais permanentemente e de maneira ordinária deve ser rejeitada e denunciada como um ataque à Universidade Pública, seu ensino de qualidade e sua docência.

Para garantir que a Universidade Pública continue recebendo e formando jovens – impedidos de retomarmos atividades presenciais – teremos de retomar as aulas de maneira não presencial, conforme deliberado pelo Consu. Como sindicato representativo da categoria docente, a Adunifesp se posiciona e se propõe a contribuir no debate educacional para que tal decisão não seja encaminhada de maneira a prejudicar tanto o ensino da graduação quanto a equidade junto ao corpo discente. Preocupa-nos que, sobretudo, seu encaminhamento não leve à debilitação da atividade dos professores de maneira a expô-los a situações de estresse e de esgotamento físico e psicológico – já presentes devido à reclusão forçada, à tensão do trabalho domiciliar, aos relacionamentos familiares e ao próprio medo da doença pandêmica.

Para evitar isso, apresentamos a seguinte pauta dividida em três pontos:

1) Condições de trabalho e carreira (progressão e promoção):

a) Empréstimo ou compra de equipamentos para docentes que estão realizando investimentos pessoais para manter o funcionamento da universidade, principalmente quem tem filhos em idade escolar e precisam dividir o tempo de uso de equipamentos, banda de internet etc.;

b) Estabelecer medidas de resguardo do direito de imagem e direitos autorais dos docentes a respeito dos conteúdos trabalhados remotamente, seja em áudio, vídeo, texto ou outras linguagens.

c) Criação de um programa robusto de capacitação para uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)

d) Apoio financeiro para custeio da infraestrutura de ensino em ambiente domiciliar.

e) Racionalização da rotina de trabalho para evitar sobrecarga, sobreposição de reuniões, tempo excessivo em videoconferências, estabelecimento de um intervalo mínimo entre reuniões e entre reuniões e aulas, respeito à carga horária semanal.

f) Jornada especial para docentes com dificuldades de condução de todos os trabalhos, não apenas as aulas na graduação, devido à rotina doméstica (principalmente quem tem filhos, idosos, outros dependentes, tenham responsabilidade por cuidados de filhos e parentes, sobretudo quem é solo), com estabelecimento de critérios emergenciais para acompanhamento e avaliação docentes durante o período (a portaria 818 de 31 março de 2020, aplicada momentaneamente apenas a TAES, deve ser assinada também para docentes).

g) Que a Unifesp se posicione a favor da valorização da carreira das suas cientistas mães, ao menos enquanto não for possível retomar a rede de apoio com as quais elas contam para manter suas tarefas cotidianas devido à Covid-19, de modo que as aulas contempladas pelas ADEs não sejam exigidas como atividades obrigatórias para aprovação de relatórios de estágio probatório, promoção e progressão de docentes e TAEs, bem como nos CRs das discentes. O atendimento desta reivindicação colocaria a Unifesp junto a outras universidades federais que estão na vanguarda das ações de apoio inerentes à desigualdade patriarcal de gênero na academia, conforme vem sendo relatado em publicações altamente qualificadas. De fato, as ações de valorização da carreira das mães cientistas têm sido implementadas somente nos últimos cinco anos, como resultados pontuais do clamor e empatia por grupos isolados em suas instituições e agências de fomento. Urge realizar o debate público que promova a criação de políticas de Estado e a sensibilização das diversas instâncias dos órgãos de educação, pesquisa e extensão, com a finalidade de criar ou expandir medidas de apoio às mães cientistas, especialmente para que não sejam punidas por normas de funcionamento institucionais na vigência da Covid-19 e no período subsequente a pandemia (proposta feita pelo MaternaCiência).

h) Realizar um levantamento das condições emocionais/psicológicas de docentes e criar um canal/serviço de acolhimento e assistência.

i) A unifesp deve se posicionar contra o retorno das atividades presenciais, principalmente as aulas, enquanto não houver vacina ou tratamento eficaz contra a Covid-19.

2) Questões pedagógicas

a) Garantia da autonomia docente na construção das UCs em ADE para escolher a forma, plataforma (Moodle ou ferramentas Google), distribuição da carga horária, se é síncrono e/ou assíncrono e se disponibiliza ou não a videoaula, de acordo com especificidade de cursos, departamentos e dos campi.

b) Que o docente tenha protagonismo no processo de ensino, mesmo em condição precária, realizando seu trabalho autoral. O discurso corrente de que a EAD tem o estudante como centro do processo, além de no subtexto pressupor que no ensino presencial isso não ocorre, serve como pretexto para substituição de docentes por uma combinação de algoritmos que supostamente suprimiriam a necessidade de existirem professoras e professores nas instituições de ensino como protagonistas do ensino e da aprendizagem.

c) Atribuição de conceito (cumprido e não cumprido) em vez de notas na avaliação dos semestres cursados em ADEs.

d) Realização de um esforço institucional para que se usem preferencialmente as ferramentas abertas desenvolvidas pelas próprias universidades públicas, em vez de plataformas proprietárias, introduzindo o debate sobre segurança de dados e uso dos conteúdos acadêmicos por corporações privadas. Para que o uso de uma plataforma própria seja mais interessante do que as ferramentas proprietárias, como o Google, será necessário realizar esforços para desenvolver uma plataforma própria de videoconferência, armazenamento de arquivos, e-mail institucional etc.

e) Recomendar a introdução do tema da pandemia nas UCs, sejam as obrigatórias ou em eletivas eventualmente ofertadas especificamente sobre o período atual, com abordagem interdisciplinar, estimulando os alunos a mostrarem futuramente tudo que realizaram neste momento.

f) Compreender que o ensino remoto não substitui o ensino presencial e que seu desdobramento torna-se uma alternativa (com polêmicas e contradições) frente ao cenário de crise sanitária do covid19, mas que exigirá da comunidade acadêmica um esforço em compreender o seu limite e sua temporalidade provisória que deverá ser sempre assinalada e revisada. Destacar o respeito à autonomia docente na oferta das ADEs, especialmente (mas não só) às mães-docentes; da compreensão de que o formato limita a interação e o processo construtivo educacional na direção de uma educação popular e que, portanto, acarreta prejuízos que devem ser considerados no planejamento futuro às atividades presenciais. Importante também reforçar o princípio da universalidade e a garantia de acesso da totalidade de estudantes e o não prejuízo daqueles impedidos de cursar no modo “à distância” devido suas condições sociais e de saúde. Enfatizar o caráter de provisoriedade em que se institui as ADEs e da nossa luta no acompanhamento para garantir essa condição.

h) Reconhecer formalmente, inclusive na alocação de unidades curriculares, de que os créditos oferecidos em ADE, são distintos das UCs regulares presenciais e que serão usadas para integralização nos currículos como equivalência, para que seja claro: no retorno às atividades nos campi as ADEs serão imediatamente suspensas, sem o aproveitamento dessa modalidade em substituição às aulas presenciais.

i) Garantir que cada campus tome suas decisões com flexibilização e descentralização no âmbito das escolas ou institutos de decisões relativas a calendário acadêmico, dentro do possível e em negociação com as secretarias. Não é possível tomar as mesmas medidas para todos os campi e todos os departamentos.

j) Que os docentes possam exigir dos alunos o acesso exclusivamente por meio de seus e-mails institucionais (@unifesp.br) quando se usarem as ferramentas do Google, de modo a garantir a correta identificação dos participantes e a segurança do evento remoto, evitando assim ataques virtuais como os que ocorreram recentemente em um evento na Unicamp e outro em universidades da Bahia.

3) Condições de estudo pelos estudantes:

a) Permitir que os estudantes se matriculem em apenas uma UC, possibilitando acesso aos auxílios diversos, principalmnete PAPE.

b) Flexibilização dos prazos de exclusão e trancamento.

c) Garantia de que todos estudantes tenham condições técnicas e de equipamentos, incluindo computador e internet banda larga, para o início das aulas.

d) Criação de um programa de capacitação dos estudantes para uso das TICs.

Certamente existem muitas outras demandas que surgirão no debate democrático em nossa universidade, as quais a Adunifesp levantará com a participação nos diversos colegiados, bem como no acompanhamento dos comitês de crise e combate à Covid-19. Também como indicação da plenária, tais pontos serão abordados em debates na forma de plenárias e lives sobre: EAD, riscos de precarização do ensino, ameaças à universidade pública autônoma, construindo um debate fraterno e propositivo em conjunto com as entidades representantes das estudantil (DCE), de residentes (Amerepam e Aremulti), pós-graduandos (APG) e técnicos (Sintunifesp). Juntos resistiremos aos ataques bolsonaristas e faremos a Unifesp sair da melhor forma possível da crise política, econômica e sanitária.

São Paulo, 16 de junho de 2020

Docentes reunidos em plenária remota

Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Paulo