Decreto 9.991/19 e Afastamento Docente

Considerações sobre o decreto 9991/2019, que trata de afastamentos de servidores federais

Prof. Fabio Venturini, presidente da Adunifesp

No último mês de agosto o governo federal publicou o Decreto 9.991, o qual estabeleceu uma nova Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal. O texto, em geral, é confuso, dúbio, o que se aplica também à sua instrução normativa. Adicionalmente há uma natural apreensão e aumento da ansiedade com os atos emanados por um governo que está reestruturando o Estado com a penalização brutal dos serviços públicos e o consequente ataque ao funcionalismo, às carreiras federais.

A primeira dúvida gerada pelo decreto, ainda entre agosto e setembro, era com relação à possibilidade de corte de vencimentos em caso de afastamentos, uma vez que previa a suspensão de adicionais referentes ao local de trabalho. O texto não altera o recebimento da remuneração básica (vencimentos básicos + retribuição por titulação), aplicando-se, em geral, a gratificações ligadas ao cargo, como chefias, direções etc. O real impasse surgiu por outro motivo: estabeleceu-se um prazo de 30 dias para que os órgãos da União criassem programas locais para desenvolvimento de pessoal e, na nossa universidade a Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas enviou um comunicado às direções acadêmicas suspendendo os pedidos de afastamentos, com a perspectiva de se estabelecer uma política e apenas depois dar andamento a tais processos.

Nenhuma instância, nem mesmo a Presidência da República, pode impedir um servidor federal de solicitar um direito. Em reunião com a reitora naquela época pedi esclarecimentos e ela afirmou que havia se tratado de uma precipitação, os pedidos poderiam ser feitos. No entanto, embora não declarado, ficou óbvio (e isso foi informado em Assembleia Geral Docente) que tais processos seriam realizados apenas após a definição de tal política, a qual ainda dependia de análises de gestão e consultas à Procuradoria.

Desde então houve os seguintes desdobramentos:

1 – Um parecer emitido pela procuradoria da Universidade de Brasília concluía que o decreto não se aplica à carreira docente. A Advocacia Geral da União, órgão ao qual as procuradorias das universidades federais são vinculadas, cassou tal parecer. Mesmo se ele fosse mantido, não teria validade para outras Universidades caso as respectivas procuradorias não acompanhassem tal interpretação. Ademais, as procuradorias são órgãos consultivos, não deliberativos.
2 – Docentes que haviam se planejado para realizar suas pesquisas de pós-doutorado em 2020 começaram a ter bolsas e aceites comprometidos nas universidades de destino, pois a Comissão Permanente de Pessoal Docente e a Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas deram o mesmo tratamento a afastamentos para aperfeiçoamento e aos afastamentos para pesquisa, paralisando processos.
3 – A congregação do Campus Guarulhos provocou a procuradoria da Unifesp para questionar se o decreto 9991/2019 se aplica à carreira docente, com resposta emitida no dia 5 de novembro afirmando que sim, há compatibilidade entre o decreto e a legislação, mas que ele não revoga a autonomia universitária, cabendo às instâncias responsáveis a definição de como será a sua aplicação local.
4 – A Adunifesp permaneceu acompanhando em dois níveis: a) o que têm feito as entidades nacionais, pois elas podem apresentar ações judiciais com efeito sobre todo o funcionalismo (ou, no caso do Andes, que alcançaria todos os docentes das Universidades Federais); b) localmente, com o andamento do trâmite na gestão e com o parecer da procuradoria.

Com a situação dos docentes se agravando e o parecer da Procuradoria da Unifesp emitido no dia 5/11, pautamos o tema na Assembleia Geral Docente do dia 6 de novembro, na qual surgiram o seguinte: a) O Prof. Ivan Ribeiro, de Osasco, fez uma fala defendendo a ilegalidade do decreto e a correção do parecer da procuradoria da UnB. b) O Professor Luís Leduíno, de São José dos Campos, informou na AG que ele próprio consultou o Ministério da Economia, órgão do qual emanou a nova Política Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal, e a resposta foi a de que sim, o decreto vale para a carreira docente. c) Eu citei que as leis referenciadas no decreto não tratam do pós-doutorado pois não se trata de aperfeiçoamento, mas pesquisa, atividade fim, nem o parecer da procuradoria da Unifesp trata do tema.

De modo geral, são demandadas ações políticas enfáticas, firmes. Ao mesmo tempo são necessários cuidados para não se cair em armadilhas, lutas replicadas ou bandeiras inatingíveis. Os questionamentos realizados até o momento às procuradorias foram sobre a aplicabilidade do decreto ao pessoal docente. A maioria das respostas tem convergido para que vale também para professoras e professores das universidades e institutos federais. As discordâncias externadas por docentes que também são juristas vão no mesmo sentido, valendo-se também do argumento de ilegalidade/inconstitucionalidade. Como presidente da Adunifesp, consultei a nossa advogada, Dra. Lara Lorena, se havia algum parecer dela e dos coletivos de advogados dos servidores federais sobre o tema e a linha passada até o momento é a mesma, da ilegalidade do decreto.

A experiência sindical nos mostra que um questionamento judicial sobre isso pode obter êxito efêmero em primeira instância, algo que também pode cair com a mesma velocidade na segunda instância, sendo que o mérito só será pacificado definitivamente na Justiça Federal ou no STF (caso de questionamento da constitucionalidade), são processos que podem levar anos. É algo que em algum momento será necessário, nos níveis mais adequados, por entidades de estofo nacional. Contudo, dezenas de pós-doutorados podem fazer água até lá.

A angústia de docentes é mais precisa politicamente e a disputa é eminentemente local, não é sobre princípio jurídico, pois decorrem de uma interpretação equivocada de um órgão consultivo (CPPD) e da gestão (Pró-Pessoas) com impactos devastadores sobre a pesquisa. No dia 7 de novembro, por ocasião de uma atividade em que ambos estávamos, conversei com professor Murched Omar Taha, pró-reitor de gestão com pessoas, a quem manifestei tal posição. O prof. Murched ratificou a sua interpretação de que o decreto trata de afastamentos e aperfeiçoamentos, não apenas de afastamentos para aperfeiçoamentos. Como isso não se resolveria numa única conversa não agendada, ele me afirmou que os pedidos já apresentados à Pró-Pessoas serão encaminhados, pois estariam dentro dos limites colocados pelo decreto e sua instrução normativa. Solicitei bom senso nos que não foram ainda protocolados, pois esse tipo de afastamento envolve planejamentos que podem chegar a 2 ou 3 anos de antecedência, tanto do pesquisador quanto do departamento, afinal, a pesquisa é nossa atividade fim.

Estamos trabalhando localmente no sentido de fazer valer o entendimento óbvio de que pesquisa é o trabalho cotidiano, bem como o fato do decreto tratar de algo totalmente distinto, pois mesmo o seu texto confuso é claro em definir que só trata de afastamentos para aperfeiçoamento (Art. 1º), citando as leis que só se referem a esse tipo específico de afastamento (Art. 18), prevendo inclusive os casos de licenças para capacitação em sintonia com atividades de capacitação (Art. 25).

Pesquisa sem aquisição de título acadêmico, como é o caso do pós-doutorado, não é aperfeiçoamento ou capacitação, é o cotidiano. É como se um técnico do Ministério da Fazenda encarregado de missão comercial ou levantamentos fora da sua sede por mais de 15 dias tivesse que se adequar a uma Política de Desenvolvimento de Pessoal. Para não lutar contra moinhos de vento ou atropelar as instâncias nacionais é necessário separar as coisas para não nos prendermos ao debate de princípios e ver a banda passar naquilo que prejudica o trabalho secular e a carreira. A inconstitucionalidade e/ou ilegalidade tem que ser contestada no âmbito federal por entidades nacionais, com as quais podemos e devemos contribuir, mas não se trata apenas disso.

Há urgências locais, colegas que correm o risco de perder bolsa, prejudicar anos de pesquisas. Isso pode ser resolvido dentro da autonomia universitária em debate respeitoso, propositivo, porém firme. A Adunifesp está acompanhando de perto e reivindicando que os afastamentos para pós-doutorado sejam encaminhados o mais rápido possível. Esperamos também que o tema deve ser pautado e debatido em todos os níveis, nos departamentos principalmente, para gerar tal pressão.

Enfim, fazer a boa política universitária.