Boletim Digital Adunifesp – Editorial 20/03

Governo Bolsonaro tenta usar pandemia para impor agenda destrutiva

Na última quarta-feira, 18/03, por conta das medidas preventivas de combate ao Covid-19 não pudemos fazer as grandes manifestações programadas contra o pacote de brutais ataques do governo Bolsonaro à saúde, à educação e ao funcionalismo público, mas demos nosso recado nas janelas puxando um potente Fora Bolsonaro em todo o País. Um passo importante diante das limitações, mas mesmo com o apelo estético e ressonância na mídia, muitos outros precisam ser dados diante do cenário quase distópico em que vivemos em que qualquer traço de racionalidade tem sido mal visto e malquisto.

Em contexto global, a crise pandêmica fez o discurso neoliberal de estado mínimo cair podre, gerando crises políticas inimagináveis nas planilhas de CEOs. Vários acordos da União Europeia estão sob pressão para que os estados-membros garantam a sobrevivência de empresas de interesse nacional, incluindo estatizações. Alguns governos de viés progressista estão mais avançados no sentido de para bancar os salários dos trabalhadores durante a quarentena e aumentar a estrutura estatal para manter ativas as atividades públicas necessárias para garantir a sobrevivência da sua população. Na Espanha, diante do iminente colapso econômico do sistema de saúde suplementar e a insuficiência de um sistema público reduzido, o governo estatizou hospitais. Nos EUA a injeção de divisas chega à casa de US$ 1,5 trilhão. Nesse caso, o endividamento e a impressão de moeda estão servindo para salvar executivos e especuladores, mas o ponto central é sempre o mesmo: livre mercado autorregulado é uma fábula se desmanchando.

No Brasil, o governo federal tenta usar o pânico para continuar em sua proposta de desmonte do estado que, nesse momento, equivale à construção de um genocídio. As verbas liberadas ao SUS, da ordem de R$ 5 bilhões, sequer repõem perdas que variam de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões desde a promulgação da emenda constitucional 95, do teto dos gastos. As medidas anunciadas pelo ministro da economia, Paulo Guedes, em uma entrevista coletiva com máscaras cobrindo olhos em vez de bocas e narizes, limitam-se a adiantamentos de pagamentos e abonos, liberação antecipada de recursos já previstos e a liberação de o governo cumprir a meta fiscal, num instinto de autopreservação e evitar um processo de impeachment por questões fiscais. O governo se preocupou com a sua permanência, nada além disso.

Para complicar, a despeito da pequena ilha de sanidade no Ministério da Saúde no meio de uma claque terra-planista, o governo federal não tem coordenado de forma centralizada e transparente as ações de combate à pandemia, cabendo aos serviços públicos, de forma proativa e heróica, bem como aos governos estaduais e às prefeituras, a dianteira do processo. Os dados de contágio são claramente subdimensionados uma vez que os testes têm sido realizados apenas em pessoas ricas, influentes ou já em estado grave. As discrepâncias podem chegar a 80%. Está claro que o Brasil não se preparou adequadamente, o custo será alto e apenas a civilidade do ministro Henrique Mandetta não será suficiente para evitar os prejuízos humanos e econômicos decorrente da presidência ser ocupada por um “bullshiter”.

Quem paga a conta do vírus?

Como se não bastasse, o consórcio governo-mídia pró-sistema financeiro tenta passar os custos do combate ao Covid-19 para quem trabalha. Sem querer mexer no arcabouço jurídico obtido com articulações gigantescas, indo do processo de impeachment de Dilma às reformas de Guedes com apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, David Alcolumbre, Bolsonaro prepara uma medida provisória autorizando as empresas a cortar salários em 50% durante a quarentena. Como vale por 120 dias, mesmo sem apreciação do Congresso, o feito, de fato, é imediato e irreversível no período em que as pessoas mais precisam de capacidade de consumo para sobreviver.

Na sexta-feira, 20/03, o jornal O Globo, consolidando noticiário de quinta à noite da Globo News, defendeu o corte de salários dos servidores como forma de liberar recursos para o combate ao Covid-19. Além de tentar impor sem mudança constitucional um dos pontos principais da reforma administrativa, cujo trâmite foi prejudicado pela pandemia, expõe como há forte unidade desses grupos de comunicação com Paulo Guedes, mesmo que batam em Bolsonaro no seu jornalismo e nos programas de humor. Se o presidente é feito de João Bobo, o ministro da economia é tratado como salvador dos rentistas.

Ora, justamente quem vai ajudar a sociedade a se proteger, que são os servidores que organizam como podem um país governado por um bando cuja inépcia está nua em público, é que devem pagar a conta? O governo e o congresso que revoguem a emenda do teto dos gastos e façam como os países do hemisfério norte: coloquem as pessoas em primeiro lugar!

Estamos atentos e pedimos que todos se mantenham atualizados nessas questões, pois Bolsonaro e Guedes pretendem se aproveitar da pandemia para continuar com as reformas. Enquanto isso, Weintraub, o mesmo que recentemente recomendou a estudantes da área da saúde o descumprimento de recomendações das universidades de suspensão das acadêmicas, mostrando que além de não entender de educação e hospitais universitários usa o cargo que não tem capacidade de ocupar para fazer política mesquinha contra a Unifesp, jogou uma casca de banana no caminho das instituições públicas de ensino liberando por portaria o ensino a distância como alternativa imediata a aulas presenciais.

A modalidade a distância não é algo que se adota apenas virando uma chave, apertando tecla SAP. O EaD demanda estrutura, treinamento, preparo e garantia de que o estudante terá acesso domiciliar à internet, algo que não temos e estamos defasados, entre outros motivos, por causa de cortes orçamentários e as perdas decorrentes do teto de gastos. Para o ministro, as pessoas são um grande obstáculo da educação. Por isso ele tenta se aproveitar da excepcionalidade global e construir pretexto para futuramente desmontar o sistema federal de ensino superior em favor de especuladores ligados a gente desse próprio governo que lucram vendendo diplomas com uso apócrifo das tecnologias digitais.  Nesse sentido, a Adunifesp publicou no dia 20/03 a posição da diretoria sobre esse tema para orientar os debates feitos nos campi. Convidamos todas e todos a iniciar em nossas instâncias colegiadas um debate sobre a crise, formas de ação e, sempre, se envolver na defesa da nossa Universidade Pública.

Boa Leitura”

Prof. Dr. Fabio Venturini

Presidente da Adunifesp

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