Autonomia existe para universidade combater a barbárie

Ministro da Educação promete usar orçamento para retaliar instituições federais que suspenderam aulas. Na vida real, Weintraub não toma medidas para viabilizar o ensino durante a pandemia

Por Fabio Venturini, Presidente da Associação dos Docentes da Unifesp


No Twitter, Diário Oficial de fato de um governo apedeuta, Abraham Weintraub afirmou no dia 18 de abril que parte das instituições federais de ensino superior não têm aulas na graduação por culpa da autonomia universitária. Entre “joio e trigo”, se ele pudesse impor, estaria tudo funcionando pela internet. O ministro prometeu, no entanto, usar critérios arbitrados pelas vozes da sua cabeça na liberação de verbas para as instituições que mantiveram todas as atividades, incluindo aulas online.

As universidades são instituições do Estado brasileiro, não de um governo. Sua autonomia é garantida na Constituição Federal para proteger o ensino superior, a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico das pressões dos poderosos, do afã autoritário de eventuais parlamentares, chefes de executivos, ministros e secretários que não tenham apreço pela democracia. É a autonomia que tem permitido, por exemplo, incorporar maciçamente às universidades e institutos federais a procura de novos e rápidos métodos de diagnóstico da Covid-19, desenvolvimento de terapias, equipamentos, análises socioeconômicas dos impactos da pandemia e mapeamento epidemiológico para suprir deficiências decorrentes da omissão e da falta de confiabilidade nos dados oficiais.

Essa autonomia serve também para que chantagens de um nanoministro não coajam gestores a expor comunidades inteiras e seus familiares a mais pressões psicológicas e a um vírus mortal. Se Weintraub estivesse verdadeiramente preocupado com a formação dos jovens não teria concorrido pelo desmonte do sistema educacional, cortado verbas de assistência estudantil, bolsas de pesquisa nem teria contingenciado e solapado as verbas de custeio e capital das instituições de ensino.

Os melhores cursos do país estão nas instituições públicas de ensino superior. Eles foram construídos por profissionais de alto nível em suas áreas, com critérios acadêmico-científicos debatidos internacionalmente. Eventuais passagens a outros meios precisam ocorrer mantendo essa qualidade, o que não se faz distribuindo PDF e fazendo transmissões com apresentação de slides na tela, sem saber como seriam o acompanhamento da aprendizagem dos estudantes e os processos avaliativos.

Temos capacidade técnico-profissional de realizar adaptações criteriosas e cuidadosas para retomar o ensino de forma remota em caráter emergencial. O que não faremos é picaretagens. O MEC, em vez de dar o suporte adequado, usa a crise para forçar no sistema público uma forma grotesca e deturpada de EAD, inspirada nas privadas que Weintraub representa, para cortar salários de docentes, aumentar o número de alunos por turma, substituir os debates científicos por apostilas e enquetes na tela do computador e impulsionar a exclusão dos estudantes oriundos das parcelas mais pobres da população. Se o ministro estivesse preocupado, de verdade, com a educação superior lideraria nesse momento um programa em nível nacional para:

1 – Levantar as condições físicas, psíquicas e materiais de docentes e estudantes para proporcionar a continuidade de ensino remoto em vez de cortar bolsas e salários.

2 – Pleitear com vigor, junto ao ministério da economia, verbas para oferecer aos estudantes uma estrutura de acesso à internet para trabalhar adequadamente conteúdos diversificados.

3 – Articular uma ampla rede de capacitação para docentes que não têm domínio das tecnologias digitais aplicadas ao ensino e a metodologia a elas aplicadas, bem como orientar os estudantes à navegação com objetivos acadêmicos.

4 – Construir um fórum público e democrático para o debate político, pedagógico e instrumental das Tecnologias da Comunicação e Informação.

5 – Criar uma comissão para definir nacionalmente um plano de conteúdos emergenciais voltados ao combate à Covid-19 que pudessem ser integralizados aos currículos e usar todas Universidades e os Institutos Federais como poderoso instrumento de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial.

6 – Oferecer garantias materiais de vida, conectividade e condições de acompanhamento dos cursos para estudantes de todas as faixas de renda, incluindo surdos e PNE. Um MEC decente não fomenta a exclusão.

7 – Garantir que o desenvolvimento e as evoluções técnicas decorrentes da situação emergencial sirvam para o efetivo progresso dos sistemas educacionais, não para o ataque funcional com toques de perversidade a servidores docentes e técnicos.

Em vez de ações concretas, Weintraub está preocupado em ser um meme, um blogueirinho tuiteiro lacrador, afagador de egos dos filhos do chefe, a forma mais ajustada de se ter prestígio em um governo de desajustados. Limita-se a emitir portarias e opiniões idiotas. Pelo tempo gasto fazendo vídeos bobocas e dando entrevistas com indiretas para dentro da Unifesp podemos esperar que esteja armando vinganças mesquinhas contra a instituição que um dia lhe pagou os salários, fomentando divisões internas entre unidades acadêmicas, buscando recrutar quem aceite solapar a democracia universitária para uma possível nomeação biônica ao final da gestão da atual reitoria e implantar um programa perverso em ambiente autoritário.

Internamente usaremos todos recursos e a força emanada da tradição democrática da Unifesp para não permitir e, se necessário, inviabilizar qualquer forma de intervenção. Nacionalmente, Bolsonaro, constante candidato a déspota, já provou que suas trocas tendem sempre à piora: Bebiano por um general que acredita viver na Guerra Fria; Vélez-Rodríguez por um grotesco perverso; Mandetta por uma criatura que confunde ética médica com balanço contábil.

O que precisar ser trocado é o governo Bolsonaro. Urgente. Não é uma questão de esquerda versus direita, visto que o presidente e seus ministros mais oligofrênicos atacam qualquer um, incluindo apoiadores históricos. O que está em jogo é combater a barbárie, é a defesa da vida contra políticas de mortandade em massa. À Unifesp e à sua comunidade só cabe o lado da civilização.