Audiência aponta saídas para a crise da Unifesp

Um evento histórico ocorreu no Teatro Marcos Lindemberg, na tarde do dia 23 de abril. Representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério da Educação (MEC) realizaram, juntamente com a Reitoria da Unifesp, uma audiência pública para discutir as diversas irregularidades encontradas na instituição nos últimos anos e a grave crise que abateu a universidade em 2008.

Um dos idealizadores da audiência, o Procurador do MPF, Sérgio Suiama, explica que a finalidade da atividade foi colher depoimentos na comunidade, prestar contas dos trabalhos e avançar nos procedimentos investigatórios. “Queremos discutir o que é preciso para termos uma administração de qualidade e eficiente, mas que cumpra a lei. Para isto, é fundamental a participação da comunidade, como agora”, afirmou. Mais de 300 pessoas lotaram o auditório e muitas ficaram do lado de fora. Apesar das muitas polêmicas, o evento foi realizado em clima cordial e os membros dos órgãos públicos elogiaram a colaboração da direção da Instituição. Mesmo assim, o convite da reitoria para que falasse um representante da UFMG, feito sem consulta prévia, gerou críticas.

As intervenções dos representantes da Fundação de Apoio à Unifesp (FAp) e da SPDM, associação mantenedora do Hospital São Paulo (HSP), abriram a audiência. As duas são alvos recorrentes dos órgãos públicos. O Reitor Walter Albertoni ressaltou a importância da presença das entidades para que fossem discutidos pontos de vista contraditórios de interpretação da lei, já que muitas das irregularidades apontadas teriam origem em leituras diferentes da legislação. Em sua fala, o professor Durval Borges, da FAp, fez um histórico da Unifesp e defendeu a atuação da fundação, “desde o início os recursos eram insuficientes e hoje a situação é a mesma. Para resolver o problema de financiamento e de burocracia foram criados órgãos suplementares, que depois para se adequarem à legislação, foram unificados em uma fundação oficial, a FAp”.

Já o professor Carlos Oliva, diretor financeiro da SPDM, explicou que a entidade, além mantenedora do HSP, nos últimos anos realiza parcerias a partir da lei das organizações sociais (OSs). “As novas formas de gestão são fundamentais para o melhor funcionamento da saúde”, defendeu. Além dos dois hospitais-escola do curso de medicina (HSP e Vila Maria), atualmente a SPDM administra como OS uma série de hospitais públicos do Estado de São Paulo e, mesmo sendo uma entidade privada, utiliza o nome da Unifesp como interveniente em tais convênios.

Principais irregularidades estariam nos convênios

O representante da CGU, Nivaldo Germano, dividiu as principais irregularidades na Unifesp em três blocos: imóveis, convênios e mecanismos de controle. A CGU acompanha a gestão e as contas da universidade, com duas visitas e um relatório por ano, e é um órgão ligado ao poder executivo para zelar pela eficiência e transparência na aplicação do dinheiro público. Discutindo a questão dos imóveis, Germano defendeu que haja “uma mudança no modelo para facilitar a gestão através de um plano de verticalização”. O desperdício com aluguel de imóveis não utilizados e com próprios fechados chegou a 2,8 milhões de reais em 2008. Neste mesmo ano, a instituição gastou mais de seis milhões com o aluguel de 75 imóveis.

As principais irregularidades, entretanto, estariam em diversos convênios assinados pela Unifesp. A CGU contestou o repasse irregular de verbas públicas da universidade para a FAp e do Ministério da Saúde para a SPDM. “Os recursos devem vir aderentes a lei”, afirmou. Nivaldo Germano criticou, particularmente, os convênios com hospitais públicos realizados pela SPDM em nome da Unifesp. “Não é lícito privatizar o atendimento do Programa de Saúde da Família”, disse. O último relatório da CGU listou 94 irregularidades nos convênios. No caso dos assinados pela SPDM, falta prestação de contas de 180 milhões de reais, quase um terço dos 583 milhões recebidos em 2008.

Entre outras recomendações, Nivaldo Germano destacou: só firmar convênios coerentes com a finalidade da universidade (ensino, pesquisa e extensão), formalização e distinção clara na relação entre o público e o privado, além de planejamento e transparência na gestão dos recursos. O representante da CGU também defendeu a não renovação de convênios que não cumpram esses requisitos – como os realizados pela SPDM com o nome da Unifesp – porém sem rompimento de contrato, já que isso poderia trazer grandes problemas jurídicos. Por último, afirmou a importância da utilização do Portal da Transparência (www.portaldatransparencia.gov.br), do governo federal.

O representante do TCU, Sérgio de Almeida, debateu principalmente o tema das fundações. “Essas organizações que atuam nas universidades públicas têm sido objeto de auditoria abrangente na maioria dos Estados brasileiros”, afirmou. O repasse total das federais para as suas fundações, entre os anos de 2002 e 2008, teria saltado de 400 milhões, para 1,8 bilhões de reais. “A Unifesp precisa promover boas práticas de gestão, superando os problemas recorrentes na sua relação com a FAp e a SPDM”, afirmou Sérgio de Almeida, que apresentou uma longa lista de processos da Unifesp no TCU.

MPF sugere órgão independente de controle interno

Já o procurador Sérgio Suiama iniciou sua intervenção explicando que os órgãos públicos defendem a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial da universidade. “Porém, é preciso garantir também a sujeição aos princípios impostos a toda administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, publicidade dos atos, eficiência de gestão e economicidade”, afirmou. Uma longa lista de irregularidades também foi apresentada pelo representante do MPF, entre elas, confusão patrimonial e de interesses entre a instituição e a SPDM, fraudes e dispensa ilegal de licitações e má gestão dos imóveis adquiridos e alugados.

Entre muitas propostas apresentadas pelo MPF, o procurador destacou a importância da criação de um órgão independente de controle interno. “É uma forma de superar o corporativismo na universidade”, disse. “O nome da Unifesp também se faz por uma gestão ética e do bom uso dos recursos públicos”, afirmou Sérgio Suiama, que reiterou que as entidades privadas não podem conter em seus quadros diretivos membros da administração pública, o que acontecia até pouco tempo e configurava explícito conflito de interesses.

Apesar de os palestrantes terem dito que o material apresentado estaria disponível, até o fechamento desta matéria, apenas a projeção do CGU o estava. Ao final do evento, o próprio Reitor Walter Albertoni declarou que as apresentações já estariam no sítio da Unifesp, o que não ocorreu.