É fundamental que os planos de reabertura e as políticas públicas de combate à pandemia garantam às mulheres acesso ao trabalho, renda emergencial e flexibilização do horário de trabalho para as mães, mediante a elaboração de medidas efetivas e estruturadas, que, consequentemente, mitiguem os riscos de desemprego nesse grupo da população.
São Paulo, 24 de junho de 2020.
Carta aberta às autoridades e à sociedade:
Esta carta foi motivada pelos desdobramentos da nossa Live intitulada “Flexibilização do isolamento social x Escolas fechadas” em 06/06/2020 na página @mulherecienciaunifesp.
Considerando o atual cenário de pandemia causado pelo novo coronavírus (Sars-Cov2), a Covid-19, e levando em conta que o continente americano é hoje o novo epicentro da pandemia, entre as poucas medidas comprovadas para diminuir a curva de contágio do vírus no mundo estão o isolamento e o distanciamento social recomendados pela Organização Mundial da Saúde.
Atualmente, o Brasil está entre os países com maior número de contaminados e de óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos. Desde o início das recomendações das autoridades em saúde, em meados de março de 2020, quando os governos estaduais e municipais decretaram o fechamento de diversas atividades econômicas, muitas famílias entraram em distanciamento social ou isolamento e iniciaram o trabalho remoto por meio do home office. Sabemos das inúmeras dificuldades e desafios que esse novo “normal” trouxe para todos, em especial para as famílias com crianças em casa. As atividades presenciais escolares e as creches foram suspensas, ainda sem previsão de retorno. Famílias estão tendo que dar conta das demandas profissionais em casa, assim como o cuidado de crianças em idade pré-escolar e o suporte do ensino dos filhos em idade escolar na modalidade online. Para não mencionar a maior parte das famílias, muitas delas monoparentais formadas por mulheres em situação de vulnerabilidade social, que não têm sequer condições de manter seus filhos se educando a distância por falta de informação e acesso precário a computadores e internet.
Sabemos dos esforços de alguns estados, municípios, empresas e instituições brasileiras para tentar contornar a situação crítica que assola o país tanto em âmbito sanitário quanto econômico. Entretanto, hoje estamos vivenciando um momento delicado: a curva de contaminação pelo novo coronavírus segue ascendente e com números de óbitos chegando a 1 a cada minuto no nosso país, porém muitas medidas de retorno presencial aos trabalhos estão sendo tomadas.
As pressões econômicas estão fazendo com que os trabalhadores retornem aos seus empregos. Assim como as medidas de distanciamento, o isolamento não afetou igualmente pessoas de classes sociais diferentes, tão pouco homens e mulheres da mesma forma, sendo recorrentes os relatos de sobrecarga das mulheres com serviços domésticos, cuidados com filhos e trabalho remoto, bem como a crescente onda de violência doméstica; a volta ao trabalho também afeta distintamente homens e mulheres.
Muitas mulheres que são mães estão sendo convocadas ao retorno presencial em um momento em que escolas e creches permanecem fechadas e no qual suas redes de apoio estão desestruturadas, pois devemos lembrar que as avós e avôs, com quem muitas crianças geralmente são deixadas, constituem um grupo importante de risco para a transmissão do vírus. A situação é ainda mais dramática em 14% das famílias brasileira, nas quais as mulheres são as chefes de família ou são as únicas provedoras (famílias monoparentais).
A maternidade em situação de isolamento é um recorte de um cenário já bastante complexo. Em 2019, a ONG Rede Nossa São Paulo apontou em pesquisa que cerca de 3 a cada 10 mães cuidam de seus filhos sozinhas, ou com pouca ajuda de terceiros, ainda segundo o IBGE (2010) mães solos comandavam 11,6 milhões de lares no Brasil. Ainda que bastante desatualizado, o IBGE realizado há 10 anos registrou a situação de vulnerabilidade de boa parte das mães solos, apontando que 50,5% dessas mulheres estavam vivendo com até dois salários mínimos. Outro dado que descreve esse cenário, foi publicado pelo Fundação Getúlio Vargas no ano de 2019, que aponta que metade das mulheres perdem os seus empregos nos 2 anos após o nascimento de seus filhos. Cabe destacar, que todos esses números foram coletados antes do período que enfrentamos, mas salientam o cenário difícil da mulher mãe no mercado de trabalho.
No caso da cidade de São Paulo, o decreto municipal no 59.473, de 29 de maio de 2020 que autoriza a retomada paulatina das atividades econômicas, prevê que os protocolos de retomada das atividades pelas empresas devem incluir um “esquema de apoio para colaboradores que não tenham quem cuide de seus dependentes incapazes no período em que estiverem fechadas as creches, escolas e abrigos (especialmente as mães trabalhadoras)”. Porém, não propõe um plano estruturado que contemple esse tripé retorno ao trabalho/mães/crianças. Essas medidas poderão não ter nenhuma efetividade prática. Com quem estas mulheres deixarão seus filhos? Ou cairão elas nas filas do desemprego, diante da impossível decisão entre ficar em casa e voltar ao mercado de trabalho?
No âmbito das universidades, o impacto da pandemia também já pode ser sentido pelas mulheres-mães-cientistas no que se refere à vivência do trabalho remoto e da baixa produção de artigos científicos. Revistas internacionais apontam o crescimento de envio de artigos pelos homens e uma baixa de cerca de 50% do envio pelas mulheres. Para alguns, o isolamento social propiciou a retomada de projetos e o tempo necessário para a pesquisa e a produção acadêmica. Para as mulheres-mães, ampliou-se a sobrecarga mental e o trabalho nos cuidados da casa e dos filhos/as.
Assim, mesmo que não retornando às atividades presenciais, é fundamental que medidas de flexibilização do trabalho remoto sejam imediatamente implantadas, permitindo uma diminuição do trabalho docente e, criando mecanismos institucionais de cuidados nos processos de progressão a fim de não prejudicar as mulheres em sua carreira acadêmica.
O grupo Mulheres na Ciência Unifesp e projeto de extensão universitária Valorização da Mulher na Ciência vem por meio desta prestar solidariedade a essas mulheres. É fundamental que os planos de reabertura e as políticas públicas de combate à pandemia garantam às mulheres acesso ao trabalho, renda emergencial e flexibilização do horário de trabalho para as mães, mediante a elaboração de medidas efetivas e estruturadas, que, consequentemente, mitiguem os riscos de desemprego nesse grupo da população.
Assinam essa carta:
Grupo Mulheres na Ciência UNIFESP e projeto de extensão Valorização da Mulher na
Ciência, com:
Susanny Cristini Vercellino Tassini
Luana Nayara Gallego Adami
Catarina Helena Cortada Barbieri
Monica Levy Andersen
A convite:
Deborah Lima Rosseti
Priscila Fernanda Gonçalves Cardoso (Grupo MaternaCiência)