Austericídio fabricou a crise sanitária

por Alberto Handfas, Prof. Economia Unifesp

O Brasil deve ter uma queda substancial do PIB devido à suspensão de enorme parte da atividade econômica nesta e nas próximas semanas imposta pelas quarentenas e isolamentos sanitários em todo o país.

É verdade que não havia como se prever e nem mesmo prevenir o aparecimento do Covid19. Mas a crise sanitária certamente podia (e devia) ao menos em parte ter sido em muito minorada. Isso vale ao Brasil de Bozonaros, mas também, em maior ou menor grau, a vários outros países (incluindo a Itália), que tiveram seus “estados de bem-estar social” desmantelados pelo “austericídio” (forte ajuste fiscal, com cortes aos serviços públicos) nas últimas décadas – sobretudo após 2008.

Essa crise tão dramática é, afinal, causada pela baixa capacidade do sistema de Saúde Pública. E isso foi politicamente fabricado pelos sistemáticos cortes de verbas à Saúde (SUS) e aos Serviços Públicos (inclusive à Pesquisa Universitária), sobretudo depois da EC-95. Cortes feitos para garantir verbas à pagamento de juros a especuladores e banqueiros e para manter ao mínimo os impostos aos bilionários.

O custo do achatamento da curva da doença

Agora, as autoridades se veem obrigadas a impor quarentenas muito mais rigorosas para “achatar a curva” de evolução do número de casos que necessitarão de Serviços de Saúde (leitos, respiradores, remédios, testes de Covid19 etc) de tal modo a faze-la caber abaixo da linha da capacidade de serviços hospitalares, como está ilustrado na figura abaixo. Do contrário, sem qualquer esforço para retardar a contaminação comunitária, a parcela da curva (A) acima da atual linha de capacidade (representada pela reta inferior) significará centenas de milhares de pacientes sem leitos e equipamentos, abandonados à morte (um cenário italiano piorado). E tal esforço de quarentenas (para achatar a curva A, transformando-a em B) está levando à brutal queda no PIB (que já vinha débil desde antes da pandemia), mais desemprego e perda de renda.

Entretanto, se nos últimos anos o percentual do PIB gasto na manutenção e expansão do SUS e nos demais serviços públicos (no funcionalismo e em sua qualificação) tivessem sido significativamente elevados, as capacidade hospitalares e de Sistema de Saúde e de Assistência Social seria significativamente maior (sua reta, na figura, seria bem mais elevada – como a reta superior), não exigindo quarentena tão brutal. Assim, ao invés da curva (B), seria possível operar com uma curva mais suave como a (C); não acarretando, portanto, tão gigantesco desgaste econômico e social.

Ou seja, se gastos em Serviços Públicos (SUS, pesquisas, IFEs, Fiocruz etc) tivessem sido elevados, a capacidade hospitalar e a rede de proteção sanitária bem como a disponibilidade de testes (o q permitiria uma estratégia muito mais eficiente de combate à epidemia, isolando os focos) exigiriam quarentenas menos impactantes. Um pouco mais de gastos sociais (como % do PIB) nos últimos anos, evitariam uma tão violenta queda no PIB e no emprego (além das vidas humanas) que temos de enfrentar agora, pois exigiriam esforços de “achatamento da curva” menos drásticos.