Docentes seguirão na luta para garantir demais conquistas acordadas e mais verbas às IFES
por Alberto Handfas
Prof Economia, Unifesp e presidente da Adunifesp
Na noite de 5ª feira (20/03), após mais de três meses de muita mobilização e pressão dos sindicatos de servidores e de indignação social, o Congresso finalmente aprovou a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025. Uma vez sancionada, na semana que vem, pelo presidente Lula, o país finalmente poderá executar novas despesas planejadas, incluindo os reajustes salariais concedidos a servidores federais, incluindo aqueles que docentes conquistamos no Acordo da Greve de 2024.

Garantidos pela Medida Provisória (MP-1286) publicada pelo Executivo no final de 2024, tais reajustes deveriam ter sido já incorporados aos nossos salários de janeiro de 2025, pagos em 1º de fevereiro. Dado esse escandaloso atraso na aprovação da LOA – que forçou o país a passar três meses sem ter Orçamento da União e legalmente impedido de realizar certas despesas – só poderemos recebe-los agora. Ou seja, no salário de abril, a ser pago em 1º de maio.
Mobilização sindical e Jornada do Funcionalismo
A Lei Orçamentária estava praticamente pronta a ser votada no final do ano passado, conforme previsto pelo regramento legislativo. Mas seu relator, o senador Ângelo Coronel (PSD – BA), decidiu travar sua votação final. Representante do Centrão, usou (e abusou) de suas atribuições para chantagear o país, exigindo mais Emendas Parlamentares (Orçamentos Secretos) e outras vantagens…
Nos últimos meses, dirigentes e ativistas sindicais, incluindo do Andes-SN e de suas ADs – a Adunifesp entre elas –, montaram uma intensa agenda para dialogar com parlamentares e pressionar a cúpula do legislativo, exigindo dela a votação imediata da LOA: “recepções” de parlamentares no aeroporto, encontros em seus gabinetes ou na entrada/corredores do Congresso, atos e panfletagens. Pedidos ao Executivo por mais engajamento efetivo na pressão ao Centrão também foram feitos por meio de reuniões e solicitações de sindicatos protocoladas na Casa Civil, MEC, ou ministério da Gestão (MGI). O ápice de toda essa mobilização ocorreu nesta última semana, com a Jornada de Luta do Funcionalismo Federal, que culminou justamente no dia da votação da LOA.
Em pleno recesso letivo e com os campi da Unifesp ainda esvaziados, a Adunifesp procurou impulsionar o debate entre docentes e a comunidade acadêmica através de uma “Live” no dia 20/03. Além de apresentar informes sobre a LOA e discutir o reajuste e as pautas acordadas na greve que ainda precisam de implementação, diretores da Adunifesp responderam questões levantadas por colegas docentes.
“Alegria” e “din din” de coronéis e banqueiros
Ao ler seu relatório na Comissão Mista de Orçamento, o senador Coronel, afeito a comentários sarcásticos, revelou contudo o incômodo que a mobilização do funcionalismo provocou: “a todos os sindicatos, associações de servidores públicos federais, sei que se manifestaram ao longo desses 90 dias […] que até estavam me esperando chegar ao aeroporto para me cumprimentar, deram azar ou eu dei sorte, não me encontraram, mas […] vão sair daqui hoje alegres e satisfeitos, porque vão receber o ‘din din'[…], então não precisam mais fazer greve, não precisam fazer zoada…”
Ora, quem têm atitudes “zoadas” e “alegres com dim dim” são os parlamentares do Centrão. Apoiadores de Bolsonaro, montaram um monstruoso esquema fraudulento – e inconstitucional – com centenas de bilhões de reais em Orçamento Secreto para garantir suas reeleições em 2022. Conseguiram manter R$ 50 bi em Emendas Parlamentares no Orçamento de 2025.
Orçamento, aliás, que destinará também mais de R$ 1 trilhão a pagamento de juros da dívida pública a especuladores financeiros, sempre auxiliados pelo Banco Central. Este elevou a Selic em 4 pontos percentuais (p.p.) nos últimos seis meses, incluindo duas altas já neste ano. Jogou-a assim ao atual 14,25% e segue sugerindo atingir 15% em breve – seu mais alto patamar em décadas. Nunca esquecendo que cada 1 p.p. a mais, eleva-se o custo com juros da dívida pública no Orçamento em R$ 50 bilhões.
Compare-se isso tudo com os R$ 16,2 bilhões a mais que o Executivo Federal gastará neste ano com todos os reajustes – lineares e de reestruturações de carreira da MP-1286 – ao conjunto das 38 carreiras de SPFs da ativa, aposentados e pensionistas – cerca de 1 milhão de trabalhadores. Como tiveram seus salários congelados desde o Golpe de 2016 até junho de 2023, os gastos com Pessoal, atingiu a baixa histórica de 2,4% do PIB.
Como ficarão nossos salários?
Uma vez aprovada a LOA, a MP-1286 implementa imediatamente os reajustes do Acordo assinado por Andes-SN e Sinasefe com o governo ao final da greve de 2024.
Lembremos que antes da greve, o governo só havia aceitado repor 9% em duas parcelas de 4,5% até 2026. Algo apenas equivalente à inflação prevista no mesmo período; o que significaria que terminaríamos o atual governo com salários quase que iguais ao do fim do de Bolsonaro… A greve, contudo, forçou o governo a aceitar um reajuste de 12,8% linear (parcela de 9% já em 2025), igual a todos, acrescido de outro, diferenciado a cada segmento da carreira docente – decorrente de mudanças nos “steps” entre eles.
A tabela abaixo mostra como ficarão os salários (Valor Básico e Remuneração por Titulação somados) de cada um(a) de nós, com esta 1ª parcela de 2025 e, ao final, com a 2a que será paga a partir de abril de 2026.
A segunda coluna – intitulada “2024 (R$ mil)” – mostra os valores atuais dos salários de docentes em Dedicação Exclusiva e com doutorado. Na terceira coluna, tem-se os valores já com os reajustes (9% linear mais o referente a alterações de steps) da atual 1ª parcela. Os percentuais totais de tal reajuste – o aumento % entre 2024 e 2026 – que cada um de nós obterá estão discriminados na quarta coluna. E na quinta coluna estão os valores já com o total do reajuste do acordo da greve e que receberemos a partir de abril de 2026.
Como dito, já deveríamos estar recebendo os salários reajustados (1ª parcela) desde janeiro último. Devido ao atraso na LOA, ele só nos será pago junto com o salário de abril, o qual receberemos em 1º de maio. Portanto, o reajuste desta primeira parcela – a diferença entre o valor do salário entre 2025 e 2024 – que já deveríamos ter recebido nos três últimos meses (de janeiro a março) terá de ser pago a nós retroativamente e de uma só vez em 1º de maio. Tal soma retroativa está expressa na última coluna da tabela.
O MGI garantiu o pagamento desse retroativo acumulado. No entanto, os sindicatos estão preocupados com a distorção para cima na incidência do Imposto de Renda que tal pagamento simultâneo dos reajustes atrasados trará aos servidores. Já não basta que – arcando com pecados alheios (do Centrão, no caso) – tivemos uma parte de nossos salários subtraída por um trimestre, algo com que contávamos para pagamento de contas e obrigações mensais já apertadas. É inaceitável que, agora, ao recebe-la de volta, ainda a tenhamos, sobre-tarifada e, assim, reduzida (por imposto indevido, mesmo que restituído – em talvez 18 ou 24 meses). Para evitar tal distorção tributária e para garantir celeridade no pagamento do retroativo, os sindicatos estão exigindo que o mesmo seja feito por meio de Folha de Pagamento Suplementar.
Aceleração no Início da Carreira
Uma das questões levantadas na “Live” da Adunifesp foi a de colegas que tomaram posse mais recentemente. Eles têm perguntado sobre como funcionará a chamada “aceleração” do início da carreira de docentes federais do MG (Magistério Superior) e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT). Esta foi uma das alterações na estrutura da carreira que decorreram do acordo da Greve de 2024, especificamente no item (a) de sua Cláusula terceira.
Entre 2014 e 2024, a(o) docente (doutorado, Dedicação Exclusiva) ingressava na carreira na “classe” Adjunto A-1 – recebendo hoje o salário bruto de R$ 10,48 mil. Daí, progredia para “Adjunto A-2”, “Assistente 1” e “Assistente 2” – finalmente com salário bruto de R$12,19 mil. Só depois disso passaria a “Adjunto 1”, depois “Adjunto 2” etc.
Com o Acordo da Greve, a partir de 2025, as “classes” Adjunto A-1, A-2 e Assistente A1 são todas aglutinadas (transformadas) em “Assistente 2”. Assim, por exemplo, quem hoje:
- é Adj A-1, A-2, ou Assist 1 “progredirá” imediata e automaticamente a “Assistente 2”, passando a receber seu salário – acrescido, é claro do 9% de reajuste linear, que toda carreira está recebendo (e 3,5% em 2026).
- acaba de passar em concurso, toma posse já como Assistente 2; aí permanecendo por três anos até poder progredir para Adjunto 1.
Isso pode ser notado nos valores salariais igualados a partir de 2025 de todos esses quatro segmentos do início da carreira, conforme demonstrado na tabela.
Carreira EBTT
Além dos reajustes, um conjunto de demandas não diretamente remuneratórias foram aceitas pelo governo nos termos do Acordo da Greve de 2024. Um conjunto deles refere-se à carreira EBTT. Por exemplo, a liberação do ponto eletrônico, ou a revogação da Portaria MEC n. 983 de Bolsonaro – a qual, além de sugerir incentivos ao EaD e de outros ataques desenvolvidos desde o Golpe de 2016, elevou carga mínima em sala de aula, desvalorizando pesquisa e extensão.
Os encaminhamentos para a efetivação de tais itens acordados foram os que mais avançaram até o presente – com a formação de um grupo de trabalho que revogou tais medidas regressivas e elaborou parâmetros a uma nova regulamentação da carreira EBTT que a aproxime do MS permitindo um processo que, mais adiante, leve à isonomia a ambas. A principal exceção aqui é a reedição de Decreto (1.590/1915) que elimina o controle de ponto. Já preparado pelo MEC, ele espera (já por meio ano!) apenas a assinatura do ministro Rui Costa, da Casa Civil, para ser efetivado.
Vale lembrar aqui, que a Unifesp conta com docentes da carreira EBTT, que lecionam na Paulistinha – escola de educação infantil e Ensino Fundamental no campus São Paulo. Tais colegas, junto com a Adunifesp, estão realizando conversas com a reitoria (Pró-Pessoas) para regulamentar e garantir tal isonomia também na Unifesp.
Direitos de progressão na carreira
Uma das conquistas da greve foi o compromisso do governo em rever e padronizar procedimentos de progressões e promoções. Tal tópico, entretanto, consta apenas genericamente no Acordo da Greve. A nós, docentes, o mais relevante é a incidência dos efeitos financeiros da progressão e promoção na carreira. Sob a Lei n. 12.772/2012, devemos exigir que sejam cumpridos direitos e cálculos a partir da data dos interstícios e não a partir da data dos pedidos da progressão ou promoção. Consequentemente, deve ser dado à(ao) docente o direito à progressão múltipla – quando, por algum motivo (esquecimento, excesso de tarefas etc.), ela(e) deixou de fazer o pedido na data do interstício.
Por exemplo: a(o) docente já havia cumprido com os requisitos (pontuação) necessários à progressão de Associado 1 a 2 há mais de dois anos atrás, mas não pedira (por esquecimento ou por qualquer outra razão) tal progressão na data de seu interstício. Hoje, essa(e) docente já teria requisitos suficientes para progredir de Associado 2 a 3. Na Unifesp, tal docente só poderá pedir sua progressão de 1 a 2 ao chegar novamente a data de seu interstício. Mas em tal data, deveria ser de seu direito pedir e obter progressão múltipla (acumulando a atrasada com a atual), ou seja, saltar de Associado 1 a 3. Outro direito deveria ser o de receber a diferença salarial do período do atraso. Várias universidades federais já garantem e praticam isso.
E várias outras estão, a partir de resoluções de seus Conselhos Universitários, revisando seus procedimentos no sentido de garantir tais direitos. Isso porque há pareceres da Advocacia Geral da União (AGU) e pareceres conjuntos da CONJUR-MEC e da CGU que reiteram o direito a receber os efeitos financeiros da progressão da carreira a partir do momento em que há cumprimento dos requisitos, bem como do cumprimento do interstício, independentemente do pedido à progressão ter sido feito no prazo, atrasado, ou não.
Aqui portanto, temos de realizar uma dupla mobilização. Uma junto ao governo para que garanta uma padronização federal de tal direito. E outra junto às universidades – em nosso caso junto à Unifesp, para que esta atualize seus procedimentos na mesma direção. A Adunifesp, com o auxílio do Jurídico do Andes-SN, já realizou três reuniões neste ano com a Pró-Pessoas e com a CPPD para reivindicar tais direitos. Apresentou exemplos e sugeriu caminhos que permitam agilizar a atualização de modo a garantir imediatamente o acesso a tal direito de progressão. A despeito de certo receio com possíveis descuidos com segurança jurídica e restrições possivelmente impostas pela Procuradoria da universidade, colegas da CPPD demonstraram interesse em atender tal demanda. Nacionalmente, a reunião do Setor (das ADs) das IFES do Andes-SN decidiu que este vai articular um dispositivo para intensificar e generalizar a pressão para que todas as instituições federais realizem a transição para o procedimento demandado – articulando inclusive os jurídicos do Andes-SN com os de suas seções.
Outras conquistas que exigem implementação
Por fim, o Acordo da Greve criou um Grupo de Trabalho (GT) composto por sindicatos e governo para tratar de três temas:
(1) o reenquadramento de aposentadas(os) em relação à nova carreira pós-2012, que instituiu os Associados;
(2) o direito à “entrada lateral”, ou seja, a garantia à(ao) docente que está sendo transferida(o) de uma IFES a outra de poder carregar consigo todo o avanço que obteve na carreira;
(3) a revogação da IN n. 15/2020 que, publicada por Bolsonaro, cria inúmeros obstáculos à concessão do adicional de insalubridade a docentes que trabalham – laboratórios e/ou em campo – sob condições e ambientes de risco.
Os sindicatos seguem pressionando pela implementação desses pontos, já que os trabalhos de tal GT mal iniciaram-se de fato.
“Revogaço” e defesa do RJU
Uma série de outras bandeiras, parte do chamado “Revogaço”, foram levantadas antes e durante a greve. Elas seguem absolutamente atuais, ainda que não tenham sido incorporadas no acordo. Basicamente resumem-se na reivindicação ao atual governo para que revogue as medidas contra trabalhadores e serviços públicos implementadas por Bolsonaro e/ou Temer: as reformas previdenciária e trabalhista, ou Novo Ensino Médio, por exemplo. Outra delas era a batalha pela revogação do Teto de Gastos, que agora deve ser atualizada com a defesa do fim do Novo Arcabouço Fiscal – igualmente existente para forçar o desvio de fundos dos serviços públicos ao pagamento de juros. Ademais, suas regras quase tão draconianas quanto as do Teto, podem – já com a LOA aprovada – a qualquer momento impor contingenciamentos, inclusive a despesas das IFES.
Por fim, outra revogação necessária é da Reforma Administrativa, PEC-32 – a “granada no bolso dos servidores” e serviços públicos proposta por Paulo Guedes. Dentre vários ataques, ela visa acabar com o Regime Jurídico Único (RJU). O fim da estabilidade do funcionalismo seria um brutal ataque à democracia, uma volta à República das Oligarquias, quando a cada eleição, o governante de plantão trocava todo o quadro de servidores, contratando seus apaniguados no lugar. Seria a destruição completa da capacidade do país oferecer serviços públicos de qualidade à população, por meio de profissionais tecnicamente qualificados (concursados).
Quanto a isso, há duas preocupações. A primeira é que, embora do governo anterior, a PEC-32 não foi arquivada até hoje pela presidência da Câmara, e segue havendo campanha para ser reapresentada. A segunda preocupação é que pontos nocivos a carreiras de servidores acabaram entrando como “jabutis” na MP-1286. Ainda que não dirigidos a docentes, podem abrir precedentes. Um exemplo é seu artigo 206, que institui mecanismos individualizados e por pontuação de avaliação de desempenho a carreiras e sugerem exigências que podem criar entraves ao progresso funcional do servidor. Tratam-se de regras que nunca apareceram e muito menos foram debatidas nas negociações das Mesas Setoriais com os sindicatos e com servidores E que parecem expressar pressões por contrarreformas. Por isso mesmo, deputados do PT e do PSOL apresentaram emendas supressivas a tal artigo.