Linha de frente do combate à Covid-19: relatos de profissionais da saúde (PARTE I)

As condições de trabalho no Hospital universitário já não eram das melhores antes mesmo do COVID-19, pois os cortes do governo na área da educação e saúde já eram sentidos, com a falta de insumos desde 2019.”, Rodrigo B., auxiliar de enfermagem, servidor Técnico-Administrativo do HU-Unifesp a 17 anos.

Desde que a Covid-19 assumiu a escala de pandemia, presente em todos os continentes, os especialistas da saúde, infectologistas e gestores públicos apontam para um momento muito sensível da crise sanitária: o provável colapso do sistema de saúde se o contágio não for mitigado dada a agressividade da doença que exige cuidados intensivos como o uso de ventiladores mecânicos para estabilização dos casos mais graves. No Brasil a crise da Covid-19 atinge uma população completamente desigual com limites claros para as recomendações sanitárias de higiene e isolamento e um sistema de saúde dividido entre o público e privado, em que o primeiro vem de décadas de políticas de desestruturação com bilhões cortados desde a EC-95 que limitou os gastos públicos.

Nosso quadro é dramático, nos esforçamos para respeitar e fortalecer o isolamento social, medida única comprovada pela ciência e saúde, e pela experiência dos demais países, para diminuir os efeitos da crise sanitária diminuindo contágio e mortes, ainda assim nesse final de abril de 2020 já passamos de 70 mil casos e 5 mil mortes, já temos mais óbitos que a própria China. Infelizmente essa é nossa realidade.

E essa realidade seria muito pior se não tivéssemos lutado e mantido o mínimo de estrutura do Sistema Único de Saúde e os Hospitais Universitários como é o caso do HU – Hospital São Paulo que tem relação estreita com a Unifesp. Os profissionais técnicos e os residentes compõem com o corpo médico uma linha de frente que efetivamente segura a ampliação de contágio e óbito. Contudo, sofrem com nossa estrutura social desigual, com nosso sistema de saúde público precarizado e com a continuidade de políticas públicas irresponsáveis que não consegue coordenar esforços para superar a crise da Covid-19.

Vale o destaque dos esforços locais das instâncias e entidades da Unifesp para contornar a precariedade que é uma conjunção da crise sanitária global com décadas de políticas públicas federais de desestruturação do SUS. Seguem, por exemplo, pesquisas sobre a Covid-19 buscando sus especificidades, ramificações e tratamentos feitas pela universidade em parceria como HU-HSP. E também uma campanha de solidariedade organizada junto aos servidores do Hospital São Paulo para receber doações de materiais essenciais, “Ajude o Hospital São Paulo. Quem salva vidas precisa viver!”.

A Adunifesp colheu relatos de alguns profissionais, com destaque àqueles que atuam dentro do HU-HSP para nos informar como estão trabalhando com a conjunção desses elementos. A matéria será publicada em duas partes, nessa primeira estão destacados técnicos de enfermagem que atuam no Hospital São Paulo e residente que trabalhou e se formou no HU-Unifesp, e atua em outra unidade de saúde. Na segunda parte da matéria apresentaremos mais relatos com médicos docentes e mais técnicos de enfermagem.

As condições de trabalho no Hospital universitário já não era das melhores antes mesmo do COVID-19, pois os cortes do governo na área da educação e saúde já eram sentidos, com a falta de insumos desde 2019. Diante da situação atual só ouvimos dizer que os recursos irão chegar e parece que nunca chega, sabemos que a Unifesp divulgou a chegada de verba para utilizar durante a pandemia e isso e positivo. O que acompanhei pela mídia e o que dizem os gestores no geral estão faltando materiais essenciais pois são importados e não tem temos no mercado nacional. Exemplo: máscaras e aventais descartáveis. As condições de trabalho só não está pior pois temos pessoas e o Sintunifesp pressionando pra que não falte, no caso da enfermagem o respaldo do Coren também tem sido importante. Outra coisa que tem acontecido e a ajuda com doações da própria sociedade, e somos gratos por isso. Mesmo assim ainda vemos faltar alguns insumos.


Sobre o novo ministro acredito que não foi uma boa escolha, não somente por ele mais uma troca de ministro durante uma pandemia e o substituído tinha aprovação de quase toda a população. Uma situação preocupante e o alinhamento do novo ministro com o presidente que não trata com seriedade devida está pandemia, indo contra as orientações da OMS e também todas as demais nações do nosso planeta, sendo que muitas já viveram recentemente situações catastróficas por não seguirem a orientação do distanciamento social. Vejo um momento muito ruim sendo que segundo especialistas não atingimos o pico de infectados pelo vírus. Não por que o ministro substituído seja o melhor, pois o SUS estava sendo sucateado a algum tempo e continuando neste governo. Mais estava fazendo o que tinha que ser feito durante uma crise deste tamanho.


O SUS e um grande orgulho na minha opinião, com todos os defeitos, muito pela falta de investimento dos governantes na saúde. Vemos países ricos nesta situação de pandemia tenso problemas com seus hospitais com todos os recursos que têm. E tudo na maioria deles e pago pela população. O nosso sistema e gratuito e atende do mais pobre ao mais rico sem distinção. Espero que após a pandemia ser controlada, os governantes possam olhar com mais carinho e investir muito na saúde e desejo que os recursos e compra de materiais sejam mantidos. Gostaria muito que a população reconhecesse o valor do SUS e se unissem pra cobrar os governantes melhores condições de atendimento pra todos os tipos de doenças e tratamentos, que os empresários que agora estão doando continuem a fazer, pois se na crise conseguem doar após ela poderiam doar até mais.


A previsão que vejo para as semanas seguintes e de piora do quadro de infectados e mortes por COVID-19, infelizmente. O distanciamento social que vem fazendo seu papel fundamental no controle da pandemia, está sendo quebrado por muitas pessoas, alguns até respeitaram no começo e como não conhecem ninguém com a doença acham que nunca vai chegar na sua casa. Entendo a agonia de todos por não poderem sair de suas casas e não ir aos locais que costumavam, mais no momento e preciso para que sistema de saúde não entre em colapso. Temos pacientes com outras doenças dentro do HU-HSP, que também precisam de tratamento. Mesmo com aumento de setores e leitos para atender a COVID-19, a situação tende agravar se pelo desrespeito ao distanciamento social e também acredito que os trabalhadores da área da saúde estão sendo muito expostos, além de alguns momentos a falta de EPIs, demora nos diagnósticos dos pacientes suspeitos, nas enfermarias fazem exames de tomografias por acharem suspeitos e só avisam a enfermagem depois. Quando vamos ver todos da equipe já tivemos contato com o paciente e estávamos com a paramentação mais simples. Só depois estes pacientes são transferidos setores especializados em COVID-19. Também gostaria que os profissionais de enfermagem do hospital universitário fossem testados pois muitos podem ter contraído o corona vírus e não ter tido sintomas e podem estar transmitindo para seus familiares, mesmo com todo o cuidado que estamos tendo com a higiene, entre outros. O hospital só testa quem tem sintomas mais fortes”.
Rodrigo B., auxiliar de enfermagem, servidor Técnico-Administrativo do HU-Unifesp a 17 anos.


“Sou Médico de Família e Comunidade (MFC) e trabalho na Unidade Básica de Saúde (UBS) Vila Campestre. Na primeira semana de trabalho a houve muito medo da doença e falta de organização por não saber como continuar a assistência à saúde para além dos casos suspeitos de COVID-19. Na primeira semana a UBS ficou vazia. O trabalho ficou dificultado pela ordem de suspensão de consultas, de evitar as reuniões e pelas informações novas e ordens diferentes, muitas vezes contraditórias. Mesmo sem protocolo, começarmos a nos organizar utilizando ações em equipe e telessaúde. Tudo foi se ajustando. Somente agora na última semana surgiu um protocolo para a Atenção Básica (AB), que já estava de acordo com o que estávamos realizando na UBS.

Houve ociosidade em outras UBS e por isso houve pressão para remanejar médicos, enfermeiros e outros profissionais para hospitais. Entretanto, na UBS onde atuo não ficamos ociosos, pelo contrário, o trabalho se manteve: buscamos criar uma nova forma de organização e ainda estávamos realizando consultas de urgências, de emergência e de grupos prioritários que não podiam ser desassistidas. Posteriormente começamos a realizar consultas à distância, por telefone. Quando começaram a ver alguns resultados, essa pressão diminuiu.

Eu e meus colegas entendemos a AB como aquela que tem um papel primordial no cuidado da saúde das pessoas e, por consequência, de extrema importância na epidemia para o controle e prevenção de agravos, se articulando com os outros níveis de atenção para evitar a sobrecarga desses. Cabe a AB diagnosticar os casos de COVID-19, acompanhar e monitorar os casos, contribuir para a Vigilância Sanitária, podendo cuidar de 80 a 90% das pessoas sem precisar enviá-las para serviços de emergência ou internação hospitalar.

O Brasil tem o SUS, um sistema de saúde baseado em redes, cujo centro se faz na AB, tendo, por isso, ferramentas essenciais para o controle dessa epidemia. O SUS tem grande valor, mas por interesses econômicos vem sendo desvalorizado e sucateado. Caso contrário poderíamos estar muito melhor preparados para a situação atual. Nas UBS em que não se tem Estratégia Saúde da Família, as chamadas UBS tradicionais, o trabalho de assistência à população com condições crônicas e o monitoramento e controle da epidemia ficam muito prejudicados. Não é por acaso que vários hospitais particulares estão encontrando dificuldades financeiras e estão a beira do colapso econômico muito antes do colapso de assistência.

Preocupei-me muito com os conflitos com o ministro da saúde antigo e a entrada repentina do novo, que por um lado não tem experiência em saúde pública, mas por outro parece saber negociar com presidente para diminuir conflitos.

Espero que essa experiência com a epidemia possa trazer novamente o valor para o SUS, entendendo o papel fundamental da AB. As universidades podem aproveitar o momento para realizar mais pesquisas em AB, contribuindo para atualizar os fortalecer as práticas.”
Vinícius de M. Campos, médico (Medicina de Família e Comunidade) terminou a residência no HU-HSP em março de 2020.

A rotina em casa mudou muito porque nós que trabalhamos no hospital trazemos o risco para dentro de casa todo dia. Moro com meus pais que tem mais de 80 anos e tenho uma filha com deficiência, problema respiratório crônico, entrei em uma paranoia para não trazer nada para eles. Então a rotina mudou muito. Como trabalho no ambulatório e não diretamente na UTI ou no atendimento da Covid-19, meu serviço diminuiu muito por conta da reorganização do hospital e também pelo distanciamento social que tem diminuído os outros casos, mais leves, no hospital. Ainda sim não tivemos dispensa pois somos profissionais da saúde e não estou negando ou propondo ficar em casa, mas temos que ficar expostos à contaminação pois circulamos em áreas que tem pacientes com Covid-19 ou com enfermeiros e médicos que trabalham diretamente com esses pacientes. Agente se adaptou.

E no hospital eu percebo que o ambiente mudou muito, o entorno está vazio, ruas, lojas, restaurantes fechados, espaços que disputávamos estão completamente vazios, pessoas que rotineiramente encontrava para dar um bom dia e boa tarde você não vê mais. Mudou o cotidiano. Dentro do hospital o Pronto Socorro mudou, não fica lotado como antes, porque diminuiu o trânsito e volume de acidentes e casos leves as pessoas evitam, e o hospital foi modificado para receber os pacientes infectados e não colocar os outros em risco. Mudou bastante, está bem diferente. Não tem aglomeração graças ao protocolo de receber os pacientes com segurança. Mas os leitos estão cheios, a procura é constante, para doença do vírus. E infelizmente muitos colegas internados. A questão do EPI que está nacionalmente faltando, foi mais grave no início, em que não estávamos preparados para tanta necessidade, já tínhamos deficiência de materiais de proteção, teve disputa e seleção entre os profissionais da saúde, enfermeiros, médicos, pois era insuficiente para todos. Tivemos muita dificuldade com isso. Queríamos que todo se protegessem, médicos e enfermeiros, mas não foi assim. Teve ação do sindicato. E teve mais verba liberada. E agora melhorou, temos mais EPI, parece que estabilizou. Mas muito triste ver que numa situação de crise, precisamos brigar, como profissionais da saúde para ter o mínimo de proteção.

No ambulatório estamos funcionando como uma retaguarda, principalmente porque os colegas estão adoecendo, de todas as áreas, funcionários da manutenção, dos laboratórios de coleta de exames, estão internados na UTI, enfermagem, médicos, então assim muitas áreas afetadas de dentro do hospital. Temos que tomar muito cuidado, e agente espera que todo mundo tenha consciência pois agora é o pior momento para adoecer, pois os hospitais já estão lotados, os leitos cheios, era melhor ter pego no início. Quem não pegou tem que redobrar o cuidado para não pegar nesse pico, senão não vai ter lugar no hospital. Acho que estamos chegando no pior momento da doença. Minha preocupação é com essa troca do ministro, dessa questão do governo é de tudo isso ser mascarado. Os dados já não são tão confiáveis porque falta teste, não fazemos muitos testes nas pessoas, imagina agora com o novo ministro ficamos ainda mais desconfiados.

Para os funcionários temos algum atendimento no Nasf, que faz alguns testes de quem adoeceu. Não está excelente com relação a família, mas está indo. Melhorando os cuidados com os funcionários. Uma vez que apresente sintomas ou queixas temos atendimento, testes e afastamentos. A decepção maior é com o governo, agente já imaginava, ainda assim é horrível.” Maria Elizângela dos Santos Moraes, auxiliar de enfermagem, 16 anos de Unifesp/HU.

Adunifesp