Cotidiano docente durante a quarentena: estamos trabalhando ainda mais

O trabalho aumentou e está ocorrendo muitas vezes além do horário ou dos dias da semana!”, comenta Regina Silva, docente do departamento de Farmacologia do campus São Paulo da Unifesp.

A crise sanitária exigiu o isolamento social para contenção do contágio e das mortes por Covid-19, para as universidades públicas isso significou paralisação das atividades e suspensão do calendário acadêmico. A Unifesp parou ainda em meados de março e docentes iniciaram um período conturbado de ajustes da rotina, levando demandas urgentes para casa e trabalhando remotamente especialmente na pós-graduação. Situação agravada pelo caráter da crise que traz ansiedade e exige uma reorganização não só do trabalho mas de toda a vida. À crise da saúde somam-se as crises econômica e política no país, com o avanço de pautas como o corte de salário dos servidores públicos. Um quadro dramático, que leva à ampliação do trabalho docente, agravado pelo oportunismo cínico e cruel do governo que avança com pautas de ataques aos serviços e servidores públicos.

A Adunifesp colheu breves relatos de docentes para ter maiores informações sobre a rotina no isolamento e o resultado aponta que a combinação de fatores de nosso quadro de crise é mais trabalho docente, uma rotina exaustiva em um cenário muito grave, sensível na dimensão psicológica e dramático da dimensão social em que o governo federal é parte do problema, uma vez que segue com os cortes de bolsas de pesquisa, verbas de permanência estudantil e ameaças de cortes dos salários dos servidores.

Bom, minhas atividades domésticas, maternas, acadêmicas estão intensas, tensas e dinâmicas com o isolamento social para o enfrentamento do COVID19. O cotidiano de uma docente, mulher-mãe, divorciada, com o pai da criança em outro país e família em outro Estado, expressa um cotidiano dinâmico, intenso e tenso, no mínimo. A rotina, depois de alguns ajustes e ‘combinados’ é: tarefas domésticas (limpeza, higiene, alimentação); tarefas maternas (acompanhamento nas tarefas escolares virtual; momento de lazer, de exercícios físicos, de higiene); e acadêmicas: reuniões virtuais nos espaços de gestão, reunião com grupo de estudos/pesquisa, encontros virtuais com orientandos, correção dos manuscritos de TCC, encontros virtuais com grupo de estudantes para acolhimento e trocas sobre conjuntura e o impacto do isolamento, atividades de estudo para elaboração de projeto de pesquisa e de extensão, elaboração de pareceres e produção de artigos.
À noite, e o tempo q sobra: apaziguamento das dores da solidão do isolamento e do medo próprio de quem é parte do grupo de risco desta pandemia.” – Luciana Melo, docente do departamento de Saúde, Educação e Sociedade do campus Baixada Santista da Unifesp.

Dentro das atividades exercidas por docentes, realizo no dia a dia: aulas (incluindo preparo, avaliações, etc.) de graduação e de pós-graduação, orientação de 4 mestrandos e 6 doutorandos, gerencio um projeto de pesquisa com financiamento FAPESP, sou pesquisadora de um projeto temático coordenado por outra professora, sou chefe de um dos setores do departamento de farmacologia, sou coordenadora da Programa de Pós-graduação – PPG em Farmacologia, sou do conselho de departamento, sou representante do campus SP no conselho deliberativo do Instituto de Estudos Avançados e Convergentes – IEAC, sou membro da Câmara de Pós-graduação da Escola Paulista de Medicina – EPM e do conselho de pós-graduação e pesquisa da UNIFESP. A maioria desses conselhos tem reuniões no mínimo mensais. No isolamento, com exceção das aulas de graduação, as demais atividades foram mantidas.


A maior parte do meu tempo tem sido gasta com as demandas do PPG, com especial atenção à questão das bolsas da CAPES. Quando ocorreu essa última leva de cortes (em plena deflagração da pandemia no Brasil, no início da quarentena), fomos surpreendidos com uma redução de 5 bolsas de mestrado e 8 de doutorado. Em março é geralmente quando se matriculam novos alunos, e sem entrar em detalhes, tivemos que decidir quais alunos iriam ter bolsa e quais não. Muitas reuniões da Comissão de Ensino e Pós-graduação – CEPG, avaliação dos candidatos, correspondências a CAPES questionando o corte, reuniões com coordenadores de outros PPGs, e outras ações para lidar com essa questão.


Além disso, a suspensão das atividades presenciais trouxe outras demandas: adaptações dos procedimentos para trabalho remoto, uso de plataformas de webconferência para reuniões, defesas, processos seletivos, disciplinas da pós, longas reuniões de departamento para discutir a adaptação do ensino presencial a metodologias à distância (ocorridas antes da UNIFESP decidir suspender o semestre para a graduação), etc. Ainda, estou fazendo um relatório do andamento do meu projeto FAPESP para pedir prorrogação da vigência uma vez que as atividades de bancada do projeto tiveram que ser interrompidas (atividade essencial pois é essa a única fonte de financiamento atual do meu grupo de pesquisa). Demandas dos orientandos: revisão de produções deles (dissertações, teses, artigos), com prazos que não foram ou foram pouco flexibilizados; acompanhamento de análise de dados, revisão bibliográfica e outras demandas acadêmicas. Manutenção das reuniões semanais com os orientandos (preocupação não só com o andamento dos trabalhos, mas principalmente com a motivação dos alunos). Também tivemos que lidar com questões éticas relacionadas à interrupção das pesquisas com animais, preparando justificativas para a Comissão de Ética no Uso de Animais – CEUA, e estou conversando com cada um para replanejar os projetos e cronogramas. Demandas dos TAEs: organização do trabalho remoto dos TAES (planos de trabalho e relatórios quinzenais) seguindo as diretrizes da UNIFESP para a categoria. Por fim, tenho também recebido e lido um grande de número de e-mails informativos do funcionamento remoto da universidade.


Com tudo isso, estou também cuidando da minha filha de 1 ano, que não está indo a creche, em revezamento com meu esposo, que também está trabalhando em home office. Apesar de ser uma situação particular, creio que de forma geral o isolamento trouxe demandas domésticas que se somaram às demandas do trabalho remoto. Muitos cuidam de crianças, outros de idosos, outros não tem estrutura em casa para o trabalho remoto, etc, isso fora o trabalho doméstico convencional (lavar, cozinhar, limpar etc.) o qual também aumento pois ficamos em casa o tempo todo. Enfim, o trabalho aumentou, e está ocorrendo muitas vezes além do horário ou dos dias da semana!” – Regina Silva, docente do departamento de Farmacologia do campus São Paulo da Unifesp.

Eu sou professora de economia do setor público, de políticas públicas no campus Osasco, moro em Campinas, tenho um filho de 4 anos de idade e nesse período de quarentena eu tenho trabalhado mais do que no período regular. Primeiro porque quando estamos em casa e o apelo do computador e do whatsapp é enorme, sempre chamando a gente para fazer as coisas. E segundo porque como sou coordenadora do Programa de Pós-graduação em Economia e Desenvolvimento no campus Osasco. A quarentena mudou bastante a forma como agente lida com a pós-graduação, que continua funcionando, as aulas, as defesas, tudo o que for da pós-graduação é para continuar funcionando. Ao mesmo tempo o governo tem lançado muitos editais para estudar o Covid-19, questões que envolva o vírus e como nosso campus possui poucas bolsas de mestrado para os alunos, eu tenho formado grupo de pesquisa para pedir financiamento, específico para o Covid-19, para alguns de nossos alunos de baixa renda, que não tem condições de se manter na pós-graduação, consigam bolsa. Então a semana passada em específico eu participei de dois grupos de pesquisa para mandar um pedido de financiamento para pesquisa relacionada ao Convid-19, para Fundação Tide Setubal. Um desses projetos foi agraciado com bolsa, mas isso significou um trabalho imenso para mim, significou negligenciar meu filho e minha casa. Não está fácil, muita atividade, mas entendo que é uma situação de guerra que está difícil para todo mundo. Eu acho que temos que pensar nas famílias mais pobres que vão ter perda de renda. Então o que eu posso fazer enquanto como professora é isso. Mas quem diz que estamos a toa são covardes, nós estamos trabalhando e muito mais. – Luciana Rosa, docente do departamento de Economia do campus Osasco da Unifesp.

Os relatos mostram um aumento significativo do trabalho docente, especialmente pela necessidade de ajustes ao trabalho remoto, da exigência de incorporação imediata das ferramentas digitais, da ampliação de questões por conta da crise e da conciliação com as outras dimensões da vida que sofrem igualmente com a crise. O sensível momento social que exigiria calma, atenção e diminuição do ritmo para lidar com as dificuldades acaba gerando um aceleramento irrefletido na esfera do trabalho.

O contexto ainda sofre com o oportunismo do governo federal que segue com o projeto de destruição dos serviços públicos pelo estrangulamento dos servidores e servidoras. Em meio à crise assistimo a Proposta de Emenda Constitucional 10/2020 ser colocada em votação, que como sabemos não é uma iniciativa nova, mas já parte da cartilha neoliberal de Bolsonaro-Guedes sob o véu de reforma administrativa. Mesmo que a PEC 10/2020 do “orçamento de guerra” tenha sido rejeitada, temos que nos manter alertas pois sabemos que o governo seguirá tentando cortar o salário dos servidores. Nesse sentido a Adunifesp reforça a campanha para enviar e-mails cartas aos deputados contra a votação de qualquer corte salarial a servidores ou quaisquer outros trabalhadores. Acesse campanha aqui.

A Adunifesp entende que a saída da crise sanitária, econômica e política depende da continuidade do isolamento social, da imediata revogação da EC/95 do teto dos gastos, com a retomada e ampliação dos investimentos no SUS, nas Universidades e Centros de Pesquisa, da taxação de grandes fortunas, da suspensão do pagamento da dívida pública e distribuição de renda para população em maior vulnerabilidade social, além do fim do governo Bolsonaro-Mourão-Guedes.

Adunifesp-SSind