MANIFESTO DOCENTES DA EPPEN

MANIFESTO DOS PROFESSORES DA ESCOLA PAULISTA DE POLÍTICA, ECONOMIA E NEGÓCIOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (UNIFESP, CAMPUS OSASCO) SOBRE AS DECLARAÇÕES DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO ABRAHAM WEINTRAUB E SOBRE OS CORTES ORÇAMENTÁRIOS NA EDUCAÇÃO

Nós, professores da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN), que ocupa o campus Osasco da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), expressamos nosso mais veemente repúdio aos atos do governo Bolsonaro no terreno da Educação. Repudiamos a decisão do MEC de cortar brutalmente as verbas destinadas a todos os níveis de ensino, mas, em especial, ao ensino superior. Esses cortes, como vem sendo amplamente noticiado, inviabilizarão muitas das atividades das universidades federais, impedindo que continuem em seu papel de geração de conhecimento, formação de profissionais nas mais diversas áreas e prestação de serviços diretamente à comunidade por meio de atividades de extensão.

Utilizamos a palavra corte e não contingenciamento, como quer o ministro, porque o seu argumento é falacioso. Estamos falando do orçamento de 2019. Segundo o ministro, o recurso agora contingenciado poderá retornar às universidades ainda se a reforma da previdência for aprovada, uma vez que isso provocaria o crescimento econômico e, por decorrência, da arrecadação. Não há base real de sustentação desse argumento. Ainda que a reforma da previdência seja aprovada e venha a produzir esses efeitos – argumento que, por si só, deve ser demonstrado – simplesmente não haverá tempo para eles produzirem aumento da arrecadação ainda em 2019. Portanto, o que ocorre hoje, de fato, é o corte de recursos à Universidade.

A área da Educação, que já vem sentindo dificuldades com restrição orçamentária há vários anos, terá que enfrentar condições catastróficas, se essa política for mantida. E, no caso das universidades públicas, veremos o desmantelamento de um processo de inclusão social talvez sem precedentes em nosso país. Na Unifesp e em nosso campus comprovamos o crescente número de jovens oriundos de famílias tradicionalmente distantes do ensino superior e de baixa renda que hoje têm acesso ao ensino superior de qualidade motivado pela política de expansão e de cotas. O mesmo ocorre nas diferentes instituições federais de ensino superior.

Repudiamos, ainda, a surpreendente justificativa dada às ações inconstitucionais pelas quais, no primeiro ímpeto do ministro, três universidades federais – da Bahia, de Brasília e Fluminense – tiveram seus orçamentos cortados. O julgamento de que o ensino superior é um espaço em que se promove “balbúrdia”, palavra usada pelo ministro da Educação para indicar a livre expressão cultural e democrática no mundo acadêmico, demonstra, para dizer pouco, a sua falta de compromisso com a democracia. Além disso, o julgamento de que algumas universidades ou determinadas áreas de conhecimento seriam pouco produtivas, demonstra, no mínimo, um enorme desconhecimento das especificidades e dos indicadores mais usuais para cada área.

Somos contra o desrespeito a qualquer campo do saber, sejam as Humanas, as Exatas ou as Biológicas. Justificar cortes de orçamento sob o juízo de que as Ciências Humanas, em especial Filosofia e Sociologia, são inúteis equivale a dizer que buscar compreender o ser humano, o mundo por ele criado e o papel das ideias na constituição da realidade é algo dispensável. O autor desse juízo parece não saber que as Ciências Humanas permitem à sociedade entender a si própria como criação histórica e, portanto, passível de ser questionada e transformada. Parece não saber que aqueles que ocupam posições de decisão no Estado, ao agirem, são orientados por uma determinada visão de ser humano e de sociedade e que, se tiverem acesso ao conhecimento produzido pela Filosofia, Sociologia, História e demais Ciências Humanas, poderão tomar decisões baseadas em evidências obtidas por meio de pesquisas científicas e fundamentadas em reflexão racional, não em ideologia.

Os professores da EPPEN, onde o ministro está lotado como docente, orgulham-se de fazerem parte de uma escola que não é uma simples fornecedora de profissionais dotados apenas de conhecimento técnico, como o ministro Abraham deseja que as universidades sejam, e sim uma instituição formadora de indivíduos portadores de saberes que lhes proporcionam uma ampla visão do mundo, de modo que, longe de permanecerem indiferentes ao que ocorre à sua volta, mostram-se capazes de avaliar com lucidez os efeitos de suas ações na coletividade.

Orgulhamo-nos de oferecer aos futuros contadores, administradores, economistas, atuários, internacionalistas e advogados que aqui estudam um amplo e diversificado leque de referências conceituais, técnicas e factuais, oriundas dos vários campos de conhecimento, em profícuo diálogo interdisciplinar, para que desenvolvam uma larga capacidade de compreensão da sociedade e um fundamentado espírito crítico, de modo que sejam capazes de uma aguda percepção de sua responsabilidade social, política e ambiental no exercício de suas profissões.

Prezamos que nossa Escola não forme cidadãos desrespeitosos para com toda a longa trajetória de lutas pela democracia e por avanços sociais e ambientais que este país já percorreu e que não se coloquem a serviço de entidades e governos que demonstrem ausência de compromisso com a democracia, irresponsabilidade e cumplicidade com interesses escusos, atacando os direitos democráticos e sociais, abrindo as portas para o desmatamento, retirando proteção às terras indígenas, estimulando o preconceito de gênero e favorecendo o crescimento da violência urbana e rural por meio da facilidade do acesso ao uso de armas de fogo, como infelizmente vemos ocorrer hoje em nosso país.

Queremos esclarecer que as atitudes do ministro Abraham Weintraub NÃO REPRESENTAM, de modo algum, o pensamento desta Escola. Seu comportamento contraria inteiramente a orientação fundamental da EPPEN, que sempre foi a de valorizar a diversidade cultural e política e a autonomia intelectual. Temos o mais profundo respeito pelas diferenças nas formas de produção do conhecimento em qualquer área do saber. Respeitamos e valorizamos nossos colegas pesquisadores e professores das áreas de Filosofia, Sociologia e das Ciências Humanas e Sociais em geral, sejam aqueles lotados em nossa Escola, sejam aqueles de outros campi da Unifesp e de todas as universidades e instituições de ensino nos diferentes níveis, no Brasil afora; e temos plena consciência de sua importância e do papel fundamental que podem desempenhar na construção de um país.

Por fim, lamentamos que o atual representante do ministério da educação, tendo sido aluno de graduação em uma universidade pública e tendo ingressado na carreira docente em um campus criado durante a expansão do sistema de ensino superior, pareça não ter entendido sua importância para a sociedade e, ainda por cima, atue de modo a prejudicar substancialmente o funcionamento de todo o sistema.

(Docentes do campus Osasco da UNIFESP reunidos em Assembleia no dia 09 de maio de 2019)