Carta Aberta contra o PL 4330/04 e a decisão do STF autorizando a gestão privada de instituições públicas

A diretoria da Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Paulo seção sindical do ANDES-SN (Adunifesp-SSind) vem a público manifestar sua oposição ao Projeto de Lei (PL) 4330/04, aprovado na Câmara Federal após ficar 11 anos engavetado,  apresentado agora sob a falsa justificativa de regulamentar a contratação de terceirizados precariza ainda mais as relações trabalhistas, divide a classe trabalhadora e impede sua organização e mobilização sindical.

A Associação também repudia a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o futuro da Administração Pública, permitindo a atuação de instituições privadas como organizações sociais na contratação dos trabalhadores, uma forma de terceirização da contratação dos servidores públicos, em escolas, hospitais, museus e inclusive nas universidades federais, que desta forma não precisarão mais abrir concursos públicos para contratação de professores ou técnicos-administrativos.

Os argumentos a favor de qualquer forma de terceirização são falaciosos e escamoteiam uma perversa realidade de ampliação do abuso e exploração dos trabalhadores. A economia nacional e mundial é comandada pela lógica financeira. A geração de lucros extraordinários é meta de curtíssimo prazo, a organização produtiva e o mundo do trabalho servem a essa lógica e são cada vez mais reorganizados para tanto. Nas relações trabalhistas a terceirização e a subcontratação são elementos centrais, pois os direitos e o Estado acabam sendo obstáculos à flexibilização exigida pelo capital à manutenção de sua multiplicação às custas do trabalho, que não gera desenvolvimento econômico, pelo contrário amplia a desigualdade social. Ou seja, a alegada “modernização das relações trabalhistas” argumentada  pelos proponentes desse Projeto de Lei predatório é a completa submissão do mundo do trabalho à financeirização, ampliando a fragilidade do trabalhador em relação ao capital, sem a proteção do Estado ou das entidades de classe.

A afirmação de que a “A lei da terceirização amplia as garantias e a regulamentação aos trabalhadores já terceirizados” também é uma falácia, pois os mínimos direitos dos trabalhadores terceirizados garantidos por jurisprudência no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho deixam de ter validade legal pela substituição aos novos critérios propostos por este PL. Frise-se que o texto é extremamente vago com relação às garantias aos trabalhadores sem a responsabilização concreta das empresas por esse processo.

Os trabalhadores terceirizados são os que têm menos direitos, trabalham mais horas e recebem menos por isso. Análises recentes elaboradas pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) apontam uma média de trabalho maior em 3 horas semanais para os terceirizados; uma permanência por tempo menor nos empregos que entre os terceirizados é de 2,6 anos enquanto para os não terceirizados é de 5,8 anos; o salário entre os terceirizados é em média 27% menor e, em muitos dos casos atingem 36% a menos e o número de acidentes no trabalho é 64% maior. No caso da categoria dos bancários a diferença é ainda maior: 14h a mais de trabalho semanal e 75% de diferença salarial entre terceirizados e demais trabalhadores.

“A nova lei garante a não precarização do trabalho terceirizado”. Falácia! Com a terceirização e as diversas modalidades de contratação a precarização estará embutida nos contratos – sem garantias de direitos trabalhistas algum tais como, folga semanal remunerada, férias remuneradas, Previdência Social, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego –, na remuneração – amplamente reduzida e completamente desproporcional às excessivas jornadas de trabalho –, nas condições de trabalho e de saúde – aumenta a possibilidade de troca de horários, alteração de postos de trabalho e rotatividade de mão de obra, sem garantia de auxílios a alimentação ou atendimento médico, sem garantia de seguro e auxílio saúde em caso de acidentes de trabalho – e na ausência de atuação e representação sindical – pois o PL fragmenta a classe trabalhadora, incentiva a concorrência entre trabalhadores, dificultando a solidariedade de classe, desestimulando a mobilização e atuação política, além de separar juridicamente o trabalhador da empresa dificultando ações coletivas com amparo jurídico.

Outra falácia é que “A lei da terceirização estimula a geração de empregos”. Na verdade PL 4330/04 libera e legaliza a subcontratação e o emprego passa a ser subemprego. É justamente a partir da possibilidade de subcontratação que encontra-se o uso de trabalho análogo ao escravo para o setor têxtil, construção civil e agronegócios, dentre outros. A suposta criação de empregos é um argumento oportunista porque afirma a importância do trabalho e do emprego para o desenvolvimento social, mas desconsidera a necessidade de proteção do trabalhador para a continuidade de sua reprodução uma vez que a lógica de produção capitalista financeirizada caminha no sentido da redução dos postos de trabalho.

Os argumentos a favor do PL 4330/04 contribuem para a banalização das injustiças sociais, obrigando o trabalhador a tolerar o intolerável, uma mentira instituída, uma ideologia defensora do realismo econômico, pois naturaliza as condições precárias e flexíveis de trabalho, a desigualdade social extrema e a exploração continuada e generalizada do trabalhador. O Projeto de Lei oficializa o comércio de força de trabalho pela lógica da redução de custos, o aumento da exploração e destruição concreta das possibilidades de resistência da classe trabalhadora. Há uma desvinculação física e jurídica entre Capital e Trabalho dificultando imensamente a efetivação de direitos trabalhistas, numa direção contrária àquela prevista na Constituição de 1988.

A decisão STF do 16 de abril de 2015 que autoriza a gestão de instituições públicas por organizações privadas qualificadas como organizações sociais é outra perversa decisão que afeta diretamente o mundo do trabalho, em especial nas instituições públicas levando à terceirização dos servidores públicos. No final da década de 1990, o então presidente Fernando Henrique Cardoso e, no estado de São Paulo, seus correligionários Mário Covas, José Serra e Aloysio Nunes Ferreira promulgaram leis permitindo que as organizações privadas pudessem gerir, incialmente, instituições públicas das áreas da cultura e da saúde. Pelo menos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade –  ADI – foi impetrada contra tal descalabro. Transcorridos quase 17 anos a ADI foi julgada improcedente pelo STF. Tal fato abre caminho para a implantação de OS em qualquer setor governamental. Com isso, por exemplo, uma Universidade Federal não precisa mais realizar concurso público para a contratação de professores e demais servidores federais, os Hospitais Universitários podem repassar sua gestão para as organizações sociais por meio de contratos de gestão sem a realização de licitações.

Mais uma dimensão da questão da terceirização agora diretamente relacionada ao futuro das universidades públicas, pois seus servidores sem a dedicação exclusiva e plano de carreira garantidos terão muita dificuldade de criar um espaço de exceção à logica capitalista na produção de conhecimento através do ensino, pesquisa e extensão.

Convocamos toda a comunidade universitária a unir esforços contra essa perversa e concreta  redução dos direitos trabalhistas aprovada pela Câmara dos Deputados no PL 4330/04 e também contra a decisão do STF sobre a administração privada de entidades públicas, que devem ser fortemente combatidas em todas as esferas sociais e inviabilizadas pela mobilização e luta política. BASTA DE RETROCESSO!


A TERCEIRIZAÇÃO PRECARIZA OS DIREITOS TRABALHISTAS, A REMUNERAÇÃO, A SAÚDE E FRAGMENTA A CLASSE TRABALHADORA!

Diretoria da Adunifesp-SSind