Mudanças no padrão de adoecimento dos servidores é desafio para Unifesp

O adoecimento nas universidades é um tema que tem ganhado grande repercussão no movimento docente. As mudanças de ritmo de trabalho e a cobrança crescente por produtividade tem afetado cada vez mais o trabalho de professores e servidores técnico-administrativos. Na Unifesp, o médico Antônio Carlos Zechinatti, da Divisão do Serviço Especializado em Saúde e Medicina do Trabalho, o SESMT, aponta para mudanças no padrão de adoecimento dos servidores da Instituição, com o aparecimento de problemas de saúde mental.

Criado em 1987, o SESMT é o órgão responsável, entre outras questões, pela realização de exames médicos admissionais, periódicos e demissionais e pelas perícias médicas para afastamentos por doença. À frente do órgão desde sua criação, Zechinatti utilizou a experiência como base para sua tese de doutorado “Avaliação das Doenças Médicas da Unifesp”, que estudou os afastamentos entre 1998 e 2008. Em entrevista à Adunifesp, ele descreve o panorama das causas de afastamento de servidores técnico-administrativos e docentes e mostra os indícios de mudanças neste quadro.

“Nós percebemos que os docentes só se afastavam quando sofriam alguma fratura, eram operados ou por questões graves. Hoje já temos um número absoluto que mostra afastamentos por distúrbios de saúde mental, que seriam os casos de quatro docentes da Baixada Santista em 2013”, explica Zechinatti. O médico revela que no período analisado em seu doutorado os casos de problemas psiquiátricos eram restritos basicamente aos servidores técnico-administrativos.

Os dados de 2013 não só revelam quatro afastamentos de docentes por distúrbios de saúde mental, como demonstram um aumento geral na universidade de afastamentos por este motivo. Entre 1998 e 2008, 23% dos afastamentos tiveram como causa problemas psiquiátricos, já neste ano a fatia pode chegar a 26%. Ainda assim, Zechinatti é cauteloso na análise deste novo quadro e sugere que a Universidade e, principalmente, a gestão do campus da Baixada realizem um estudo local para identificar suas causas. “Pode estar relacionado diretamente com o trabalho, claro. Mas a gente não convive lá. Isso deveria ser avaliado mais a fundo mas hoje nós não temos pernas pra isso. É preciso descobrir o que está acontecendo, se está ligado à universidade ou a fator social e familiar externo”.

Questionado sobre o impacto da expansão da Unifesp, iniciada em 2006, nos dados de afastamento por adoecimento, Zechinatti afirma que apenas o campus da Baixada apresentou números que destoam do quadro de 2008. Os docentes afastados foram 15 neste campus contra 10 na capital, unidade maior e com professores de idade mais avançada. “Em São Paulo não há afastamento por distúrbios de saúde mental e o quadro é parecido com o de 2008, quando só se afastavam por cirurgias ou doenças neoplásicas. Portanto, parece que Santos é um dado isolado, porque a grande massa dos docentes continuam com o mesmo perfil de afastamentos de 1998 a 2008”.

Em relação aos demais campi o índice de afastamento mantém o padrão de São Paulo. Por este motivo, Zechinatti acredita ser importante olhar com cautela os dados da Baixada. “O perfil de adoecimento de docentes, de um modo geral, continua o mesmo”. Outro movimento identificado por Zechinatti é a diminuição de afastamentos por doenças osteomusculares, conhecidas como LER, as iniciais de lesão por esforço repetitivo, o que o médico atribui à conscientização sobre tais doenças. Já os distúrbios de voz, comuns entre professores, não são pesquisados pela Universidade, o que ele considera uma falha.

Casos não revelados

Os dados levantados por Zechinatti poderiam ser ainda maiores e mais abrangentes, entretanto, ainda são muitas as situações que passam sem serem oficialmente notificadas. Em alguns casos, os docentes não informam sua situação por não desejarem se afastar de suas funções. “Existe uma pressão para que os docentes não parem. Geralmente o cara de hierarquia superior dificilmente falta. Quando vai se afastar já está pior do que se podia imaginar”.

Entretanto, a situação é especialmente delicada nos casos de assédio moral, tanto entre docentes como entre servidores técnico-administrativos. Em seus 27 anos de Instituição, Zechinatti avalia que o assédio foi uma das principais causas de afastamento por distúrbio mental. “O assédio é muito grande aqui e é um problema generalizado no mundo trabalho. Nós não temos dados concretos porque muitas pessoas não notificam”.

Em relação ao assédio moral entre docentes, Zechinatti relata que já teve contato com alguns casos que, entretanto, não foram notificados como tal. “Eu já tive docente que veio me procurar por um suposto assédio moral mas não quis levar para a frente. Ele se sentiu pressionado pelo superior, se afastou, mas decidiu não colocar como característica o assédio moral”.

O médico ainda contesta a postura de alguns superiores que questionam as razões dos afastamentos. “Já respondi para duas ou três chefias que esta abordagem estava sendo totalmente inadequada e que eu não iria fornecer informação nenhuma e que é preciso respeitar a pessoa que está doente. Preservar o sigilo médico da pessoa que está doente e acabou”.

O médico do SESMT defende que a Unifesp estruture um atendimento psicológico aos seus servidores. “Aqui é uma universidade de nome e até hoje não tem psicólogo para atender servidor e funcionário. Essa é uma briga minha eterna com o Departamento de Psiquiatria. O que custa os nossos docentes da psiquiatria, que são os maiores nomes da medicina, fazer um grupo para atender os nossos servidores que estão adoecendo por distúrbios de saúde mental? É uma incoerência muito grande da Universidade”.

Zechinatti acredita que a tendência é de aumento dos distúrbios de saúde mental. “Em todo lugar está aumentando os distúrbios de saúde mental e com essa escassez de infraestrutura e sobrecarga de serviço, é lógico que os docentes vão começar a ‘bater pino’”, avalia. Para o médico, a Unifesp deveria criar mais estrutura para o setor, “tinha que ter uma política dentro da universidade para distúrbios de saúde mental. Se não quiser envolver a academia, contrata, faz um grupo multidisciplinar, monta uma estrutura. Isso já é pedido há muito tempo”. Em relação às políticas da atual gestão da reitoria da Unifesp, Zechinatti avalia que a criação da Secretaria de Gestão com Pessoas deve ajudar, mas ainda não teve reflexos no quadro da Instituição. “É preciso trabalhar esses perfis de adoecimento e saber suas causas, para cuidarmos melhor dos nossos doentes e evitar que os que não estão doentes adoeçam. Temos que trabalhar a prevenção”.